A China está sob nova direção. Nos dias 14 e 15 de março, a Assembleia Nacional Popular (ANP) elegeu Xi Jinping e Li Keqiang para os cargos de Presidente e Primeiro Ministro, respectivamente. Na China há troca de comando, portanto. Este fato é tão relevante para o mundo quanto a eleição do Presidente dos Estados Unidos. Afinal, estamos falando da segunda maior potência global que conta com 20% da população do mundo.
Esta eleição teve um caráter mais formal. O desfecho era esperado. O espaço institucional de disputa mais importante deu-se dentro do Partido Comunista Chinês (PCCh), em novembro do ano passado, por ocasião do 18o Congresso Nacional do Partido Comunista da China. Xi Jinping havia sido nomeado Secretário-Geral do Comitê Central e vice-presidente da Comissão Militar Central do PCCh. Na estrutura do poder na China, o Secretário-Geral do PCCh assume a Presidência do País. Li Keqiang, por sua vez, havia sido reeleito membro do Comitê Permanente do Bureau Político do Comitê Central do PCCh.
O que há de novo com a eleição destas duas novas lideranças? Dois aspectos foram ressaltados na mídia chinesa. O primeiro deles é o fato de Xi Jinping e Li Keqiang terem nascido após a revolução conduzida por Mao Zedong. Xi, por exemplo, nasceu no ano de fundação da República Popular da China: 1949. São líderes que cresceram e se educaram na China comunista. O segundo aspecto a destacar é que estas novas lideranças têm sólida formação jurídica. Xi Jinping é doutor em direito e graduou-se na Escola de Humanidades e Ciências Sociais da Tsinghua University, com especialização em teoria marxista e educação política e ideológica. Li Keqiang graduou-se em direito e tem mestrado e doutorado em Economia. Esta formação jurídica os habilita para uma das principais tarefas do governo para os próximos cinco anos: o fortalecimento da rule of law.
Neste sentido, uma das pautas assumidas pelo novo governo é a do combate à corrupção. Xi Jinping tem assumido publicamente o compromisso de reduzir a burocracia ineficiente do Estado e que facilita a corrupção. Contará com dois importantes aliados para esta tarefa: o Presidente eleito para o Tribunal Popular Supremo, Zhou Qiang, e o Procurador-Geral da Procuradoria Popular Suprema, Cao Jianming, reeleito para esta função. O primeiro é conhecido pelos seus esforços na promoção da rule of law quando exerceu a função de vice-governador da província de Hunan, em 2006. Cao Jianming, por sua vez, têm longa experiência profissional no campo do direito e em seu primeiro mandato trinta funcionários de nível ministerial ou superior foram investigados por corrupção. Ele faz questão de dizer que “cada caso de corrupção e cada funcionário corrupto devem ser punidos”.
O combate à corrupção está em linha com a discussão sobre a reforma da estrutura administrativa do Estado. Alega-se que diversos órgãos públicos são encarregados de uma mesma tarefa. A segurança alimentar, por exemplo, era supervisionada por uma dúzia de órgãos regulatórios. O departamento responsável pelo setor ferroviário operava tanto como agência administrativa quanto como empresa. Li Keqiang parece disposto a enfrentar este problema e dá a direção a ser tomada: “Nós precisamos deixar para o mercado e a sociedade o que eles podem fazer bem. O governo precisa gerir bem os assuntos que estão sob a sua supervisão”. Esta parece ser a senha para o que vem a ser os próximos capítulos das reformas chinesas. Num primeiro momento, tal declaração pode surpreender positivamente muitos países capitalistas.
Mas haverá uma reforma jurídica e administrativa orientada para o mercado nos termos adotados pelos países capitalistas? Provavelmente não.
As lideranças chinesas parecem comprometidas em preservar o “espírito chinês” que envolve patriotismo e fortalecimento da unidade nacional. Em novembro passado, Xi Jinping declarou: “nosso sistema será melhorado e a superioridade de nosso sistema socialista será plenamente demonstrado através de um futuro melhor”. Socialismo e mercado andarão juntos – o que pode ser traduzido na aliança entre Estado e empresas chinesas. As leis de joint venture são a expressão simbólica desta combinação. Elas incentivam as empresas estrangeiras a estabelecerem, dentro do território chinês, empresas cooperativas com parceiros chineses. Sem esta parceria, não há como ingressar no mercado chinês de maneira exitosa. Um detalhe importante é que boa parte destas empresas chinesas contam com uma participação importante do Estado.
Ao contrário do que o senso comum apregoa no Ocidente, a China não parece ser um país onde a ideologia socialista dita os rumos de quase tudo. No campo da economia (com prováveis reflexos sobre o direito) os chineses são mais pragmáticos do que dogmáticos na defesa do interesse nacional – com a vantagem de saberem fazer uso da experiência histórica deles e aprender com os erros e acertos dos outros países.
Combate à corrupção, crescimento econômico com qualidade e a defesa do rule of law estão na linha de frente das preocupações dos novos líderes chineses. O fato de que eles possuem boa formação jurídica pode tornar a legislação mais prática e fácil de implementar. E isto será feito para favorecer não somente o Estado ou as empresas, mas a “China e o caminho chinês”, como disse Xi Jinping. O novo Presidente quer fazer a população acreditar em uma nova era de ouro: “o sonho da renovação da nação chinesa se tornará realidade”. Para compreendermos plenamente qual direção as reformas jurídicas chinesas irão tomar seria preciso interpretar corretamente este sonho. O problema de levar a bom termo esta tarefa é que estamos ainda sob o efeito de um outro sonho: o americano. Porém, nos últimos anos, este sonho tem se revelado um pesadelo para muitos países.
Professor,
Gostei da matéria, mas senti falta de referências, notas de rodapé.
Fernando, já pensei sobre isto ao escrever os posts. Meu objetivo é fazer com que os textos sejam de leitura leve. Temo que, ao fazer referências e notas de rodapé, ele fique menos atrativo para o leitor. O tom quase informal é proposital considerando o fato de se tratar de um blog. De todo modo, esta ainda não é uma questão resolvida para mim. Obrigado pelo seu comentário que me faz retomar esta preocupação. Abraço! Evandro Menezes de Carvalho.
De Bolonha a Pequim – nunca será demais salientar a importância dessa mudança sobre os destinos da China, com reflexos internacionais.
Excelente matéria.
Referência: http://migre.me/dRe9a