13 jan 19

Qual o futuro do “B” e do “S” do BRICS?

Este ano, a 10ª Cúpula do BRICS será em Johanesburgo, na África do Sul e, no ano que vem, no Brasil. O “B” e o “S” estão nas extremidades do acrônimo, assumindo função de limite territorial da palavra. No centro, os “RIC”. Três potências nucleares situadas no mesmo campo geopolítico e, portanto, com muitos pontos de contato e de fricção. No ano passado, em Nova Delhi, os ministros das relações exteriores da Rússia, Índia e China reuniram-se no que foi chamado de Forum RIC. Na pauta, dentre outros assuntos, o terrorismo, as mudanças no cenário político no Oriente Médio e Norte da África e a liberdade de navegação.

Os países RIC encontraram-se novamente em junho deste ano, mas por ocasião da 18ª Cúpula da Organização para Cooperação de Shanghai (OCS) que se realizou na cidade de Qingdao, na China. A OCS, fundada em junho de 2001, tem como objetivo fortalecer a segurança e a estabilidade regional por meio do combate ao terrorismo, ao separatismo e ao extremismo no território de seus respectivos países membros, quais sejam: além de Rússia, Índia e China, o Cazaquistão, Quirguistão, Paquistão, Tajiquistão e Uzbequistão. Estes oitos países compreendem quase metade da população mundial e 20% do PIB global. Os países RIC também integram o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutrua (BAII). Fundado em 2016, o BAII conta com 86 países membros. O Brasil e a África do Sul são considerados “potenciais membros fundadores” – uma concessão diplomática especial outorgada aos dois, caso venham a aderir ao acordo que cria o BAII. Boa parte do investimento em infraestrutura oriundo deste banco tem como destino projetos relacionados à Iniciativa Um Cinturão e Rota – um ousado projeto de integração econômica regional proposto pelo governo chinês que visa promover a conectividade e a cooperação entre os países da Eurásia.

Há um arranjo estrutural bem planejado. A OCS dedica-se à defesa e à segurança para promover a estabilidade regional a longo prazo e, assim, permitir a execução dos projetos de infraestrutura, financiados pelo AIIB, para a promoção da integração econômica da região Euroasiática por meio da Iniciativa Um Cinturão e Rota. O primeiro cuida da segurança, o segundo fornece os recursos financeiros e o terceiro dedica-se a integrar econômica e comercialmente a região, lançando as bases para um desenvolvimento duradouro. Este arranjo estrutural está no cerne de dois conceitos da diplomacia chinesa. O primeiro deles é o da “construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade”. Anunciado pelo presidente Xi Jinping, este conceito está em linha com o chamado “Espírito de Shanghai”, tido como o valor central da OCS, e que consiste na confiança mútua, no benefício mútuo, no respeito à igualdade, na consulta, no respeito pela diversidade das civilizações e busca do desenvolvimento comum. Para além de mera retórica diplomática, por detrás de tais princípios pode haver uma ressignificação gradual da prática diplomática. É aí que entra o segundo conceito da diplomacia chinesa: o de “construção de um novo tipo de relações internacionais”. E, quanto a isto, aquele arranjo estrutural é parte importante.

O léxico diplomático que moldou o sistema internacional do século XX recebe, neste século XXI, novas terminologias e práticas de um Oriente mais atuante. A China é o país que tem assumido um protagonismo na elaboração deste novo dicionário e nova prática das relações internacionais. O país tem se empenhado em desenhar conceitos e promover uma rede de organismos internacionais, fundos, plataformas e fóruns multilaterais que parecem apontar para a emergência de uma nova gramática para a diplomacia mundial e, consequentemente, uma nova forma de organização da sociedade internacional no futuro.

O “B” e o “S” do BRICS não podem ignorar estes fatos. Desde este ponto de vista, Brasil e África do Sul poderiam se inserir de modo mais ativo nesta grande rede de iniciativas asiáticas. Ambos os países encontram no BRICS a fonte da legitimidade desta pretensão de ter uma diplomacia mais presente nestes novos espaços formais e informais de cooperação na Ásia. Agindo assim, Brasil e África do Sul ampliariam suas capacidades diplomáticas e afinidades com os países asiáticos, aprendendo mais rapidamente a atuar em um mundo onde países e organizações asiáticas poderão definir uma nova prática e linguagem diplomáticas para as próximas décadas. É uma questão de escolha que envolve avaliação de custos e benefícios, certamente. Mas é também uma decisão sobre o futuro. O “B” e o “S” ficarão à margem do acrônimo BRICS ou serão membros ativos na definição do horizonte de possibilidades que se abre para eles próprios, para o BRICS e para o mundo?

 

*Artigo originalmente publicado na revista China Hoje (www.chinahoje.net) (n. 19, jun/jul, 2018, pp. 14-15).

 

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