30 nov 14

Nova ordem internacional chinesa?

Made.in.china

Recentemente, o jornalista da Folha de São Paulo solicitou-me um comentário sobre as novas instituições internacionais promovidas pela China e qual a repercussão para os interesses do Brasil. Em outras palavras, o que o Brasil ganha e perde (se perde) com esta estrutura internacional paralela promovida pela China. Ao invés de um breve comentário, fiz uma breve reflexão que compartilho aqui no blog. Este tema será, certamente, um dos mais recorrentes entre os que se interessam por política internacional. Aí vai:

As organizações internacionais do pós-guerra refletiram e disseminaram os valores dos EUA. O governo estadunidense identificou que o seu interesse nacional seria melhor defendido se a arquitetura institucional internacional estivesse a seu favor e sob o seu controle. A sua política externa, por força de seu inevitável impacto sobre a realidade dos demais países, se transformou, na prática, na política externa mundial.

Mas a atual estagnação de organismos internacionais centrais para a defesa desta ordem internacional estadunidense expõe uma erosão da liderança dos EUA no mundo. E, por conta disto, os países emergentes, tais como os países dos BRICS, reclamam uma reforma das instituições internacionais, em especial do FMI, do Banco Mundial e da ONU. Mas sem sucesso. O bilateralismo avança sobre o multilateralismo de objetivos mais abrangentes e audaciosos. As incertezas quanto ao futuro do mundo, potencializadas com a crise financeira de 2008, puseram os países em situação de alerta, reativos e incapazes de pensar a longo prazo, exceto a China.

Este parece ser um dos poucos países que está planejando a sua política externa a longo prazo. E o faz por meio do método pelo qual a China tornou-se famosa no Ocidente: a cópia. Mas uma cópia com “características chinesas”. A China cria instituições-espelho do sistema internacional, mas mais próximas da sua imagem sem alterar os princípios basilares da sociedade de Estados que são o respeito à soberania e a não-ingerência em assuntos internos de governos estrangeiros. Fórmula clássica do direito internacional estes princípios foram bastante relativizados pela prática dos países europeus e dos EUA na tomada de decisão dentro dos organismos internacionais.

A China desafia a ordem internacional estadunidense sem partir para um enfrentamento direto. Afinal, ela participa dos organismos internacionais da ordem estadunidense e procura aprender com os exemplos bons e ruins desta experiência. Agindo assim, a China espera aprimorar a sua forma de ação internacional e se precaver dos erros do modelo ocidental de regular o mundo. Em outras palavras, a emergência de uma possível ordem internacional chinesa se dá de dentro da ordem criada pelos EUA e, por este motivo, a competição que estabelece com este país é totalmente diferente daquela que se viu no século XX entre os EUA e a antiga União Soviética. Não faz sentido falar em guerra fria atualmente com referência aos padrões de pensamento do século passado.

Assim, para os países emergentes como o Brasil, esta competição de modelos de ordem internacional levadas a cabo pelos EUA e pela China abre uma oportunidade, sem qualquer crise ideológica, para renegociar a sua situação atual visando buscar mais recursos de poder. O Brasil perderá se se alinhar a um ou outro país como se os interesses deles fossem também os seus. Uma atitude assim seria resquício de uma mentalidade ainda presa aos anos 1900.

A demanda por maior participação do Brasil nas instituições internacionais atuais depende, em boa medida, da emergência de novos desenhos institucionais para o mundo. Sendo assim, a sua política externa deve favorecer iniciativas que ampliem o leque de possibilidades para se entender e regular o mundo para o futuro. O BRICS é um bom exemplo disto. Por que esperar que haja a reforma do FMI e do Banco Mundial se se pode criar, como se criou, o Banco dos BRICS?

O que o Brasil tem a perder com estas estruturas paralelas promovidas pela China? O Brasil só tem a perder se se acanhar para o mundo, não pensar com as suas próprias ideias e com referência às suas circunstâncias e objetivos e não desenvolver uma política externa também voltada para a Ásia. E o mundo só tem a perder se a competição entre EUA e China redundar num conflito bélico. Uma tal catástrofe deve ser evitada.

A China é, hoje, o centro da Ásia ou, se quiser, a liderança na emergência de um modelo oriental de ordem internacional. Se o Brasil ignorar este fato a sua política externa será ocidental. Abrangerá metade do mundo e ficará de fora da parte do globo mais vibrante e promissora. O país emergente que agir como se estivesse no século XX, será, cada vez mais, marginal na política global.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*