04 mar 17

O que o Brasil tem a ver com a APEC?

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Estamos acostumados a interpretar o mundo através das lentes do nosso contexto geográfico, geopolítico e cultural. Afinal, o nosso campo de visão é determinado por nossas circunstâncias e necessidades. Em razão dos efeitos negativos da crise econômica de 2008, e que se estendem até hoje, o campo de visão ficou ainda mais limitado. Costuma-se dizer que vivemos um processo de “desglobalização”, isto é, um retorno às políticas protecionistas contra a “invasão” de estrangeiros e produtos importados a pretexto de defender empresas nacionais e os empregos dos nossos compatriotas. O que vem de “fora” passou a ser visto como uma potencial ameaça.

O paradoxo é que as economias dos países dependem umas das outras e, não importa onde se esteja no mundo, as pessoas se conectam cada vez mais. Estes fatos impulsionam a comunicação em escala planetária, mas não se sabe se estão promovendo uma abertura de espírito para o que é considerado novo ou diferente daquilo a que estamos acostumados.

Noto que no Brasil pouco se fala sobre o que acontece na Ásia. Em relação à China, por exemplo, há poucas notícias na mídia brasileira apesar do gigante asiático ser a segunda maior economia do mundo, a primeira parceira comercial do Brasil e um de seus maiores investidores. Isto me faz refletir sobre qual deveria ser o horizonte do nosso campo de visão.

Gostaria de citar um exemplo que me chamou a atenção no final do ano passado. Em novembro de 2016 ocorreu, no Peru, a 24a reunião de cúpula dos líderes dos países da APEC – sigla, em inglês, para “Cooperação Econômica Ásia-Pacífico”. Este evento praticamente passou em branco na mídia brasileira. Trata-se do fórum intergovernamental de cooperação econômica mais importante na região Ásia-Pacífico e que reúne 21 países-membros. A China, EUA, Japão, Rússia, Austrália, Canadá e Singapura são alguns dos seus integrantes. Das Américas, temos o Chile, o México e o Peru. O Brasil, por razões geográficas, não é membro. Mas, então, por que falar da APEC?

Em primeiro lugar porque, reunidos, os países da APEC correspondem a 40% da população mundial e a 57% do PIB global. Além disto, respondem por 46% do volume de comércio mundial. Em segundo lugar, para um país que está vivendo uma crise econômica, uma saída para o Pacífico deveria ser uma de nossas prioridades. Vale lembrar que em 2015, quando de sua visita ao Brasil, o Primeiro Ministro chinês Li Keqiang assinou 35 acordos de cooperação que envolviam investimentos de US$ 53 bilhões, sendo que um destes acordos compreendia a elaboração de estudos de viabilidade para a construção da ferrovia Transoceânica que liga o litoral do Brasil ao Pacífico, cruzando o Centro-Oeste brasileiro e o Peru. O fato da reunião da APEC ter se realizado neste país deveria ser visto como uma oportunidade para darmos um passo adiante no projeto da ferrovia. Não foi o caso.

Dizer que não somos membros da APEC não justifica esta falta de timing político. Há um projeto de grande envergadura sobre a mesa que envolve o Brasil, o Peru e a China. Além disso, já estabelecemos uma conexão com a comunidade Ásia-Pacífico por meio de duas importantes iniciativas: o Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII). Trata-se de duas das mais novas instituições financeiras internacionais localizadas na China e que o Brasil é membro fundador. Se temos inserção no plano financeiro e institucional, nos falta no plano da infraestrutura. Neste contexto, a ferrovia Transoceânica é estratégico para nos conectar de vez ao continente mais dinâmico do mundo e ampliar o nosso horizonte de possibilidades. A Transoceânica pode ser a extensão daquilo que se tornou símbolo da nova política externa chinesa sob a liderança do Presidente chinês Xi Jinping, qual seja, a Nova Rota da Seda – projeto que evoca um conceito que ressoa sedutor e positivo no imaginário ocidental.

Por ocasião da APEC, Xi Jinping declarou que “a China não fechará a porta para o mundo exterior, mas a abrirá ainda mais”, reafirmando o inevitável e fundamental protagonismo chinês na economia mundial. Diante de um mundo em crise, a declaração do governante chinês foi recebida com alívio e entusiasmo. Não à toa, para o Financial Times Xi Jinping foi “a verdadeira estrela na cúpula de Lima deste ano”. A China está indo além dos habituais discursos diplomáticos que líderes internacionais costumam fazer ao trazer consigo projetos que visam integrar regiões inteiras do mundo. O Brasil precisa estar mais atento às ações da China e à Ásia. Dada a falta de atenção e presença para o que houve na APEC, receio que ainda estamos interpretando o mundo com o olhar exclusivamente voltado para o Atlântico enquanto todos olham para o Pacífico.

* Este artigo foi originalmente publicado na revista China Hoje, n. 10, dez 2016/jan 2017.

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