17 jan 15

Forum China-CELAC: entrevista para a Rádio China Internacional

China-CELAC

Transcrevo, abaixo, a entrevista que concedi para a Rádio China Internacional publicada no dia 7 de janeiro de 2015 e que está disponível no link http://bit.ly/1ILwEL7 . O título da entrevista: “O Fórum [China-CELAC] pode inaugurar uma nova relação no fortalecimento de uma ordem internacional sob a ótica da diversidade”. Meus comentários também foram publicados na matéria da China Radio International na sua versão original em chinês e que está disponível no link http://gb.cri.cn/42071/2015/01/07/3245s4833001.htm.

Rádio Internacional da China: A cúpula do Fórum de Cooperação entre China e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, a CELAC, irá inaugurar nesta quinta-feira. A primeira conferência é intitulada “Nova plataforma, novo ponto de partida e nova oportunidade”. Como o professor entende estes três “novos” para o relacionamento entre os dois lados? Quais “novos” estão na espera dos dois lados?

Evandro Menezes de Carvalho: Esta questão é pertinente porque vai no centro do título desta conferência. Ela traz esta palavra que é muito significativa: o “novo”. Pede, portanto, a novidade, a inauguração de um novo caminho, uma nova direção, de uma nova possiblidade e talvez de um novo futuro. É de certo modo uma expressão inspiradora que aponta para o futuro. Quando pensamos em uma “nova plataforma”, me parece que este fórum de cooperação entre China-Celac pretende ser uma nova plataforma de diálogo e de negócios. Quer dizer, em princípio acredito que o foco maior é na área de negócios e comércio entre as nações envolvidas mas também de diálogo que possa superar o âmbito estritamente comercial. Também quando se fala em “novo ponto de partida” me parece que esta expressão remete à ideia de um novo contexto político e econômico para a retomada das relações entre China e os países latino-americanos e caribenhos. E em relação à “nova oportunidade”, a expressão sugere a ideia de ser uma nova oportunidade para o estabelecimento de uma relação que amplie as possibilidades de participação destes países na construção não só de um caminho de desenvolvimento nacional com soberania, mas também de uma ordem internacional economicamente e politicamente mais equilibrada e justa.

Rádio Internacional da China : Caso pudermos interpretar a realização deste fórum como um sinal de que a CELAC abre a porta para a China, conforme seu entendimento, quais motivos levam o bloco a tomar esta decisão? Mais diretamente, o que os países CELAC esperam obter através desta plataforma?

Evandro Menezes de Carvalho: O que os países da CELAC querem obter através desta plataforma é, sobretudo, o fortalecimento de sua autonomia e independência. Há sempre uma preocupação dos países latino-americanos em preservar e aumentar as possibilidade do exercício soberano de suas decisões. Este fortalecimento do exercício de sua soberania passa por um investimento no multilateralismo. Esta é a política mais acertada para os países latino-americanos que já tiveram uma história de dependência econômica que produziu muitos prejuízos, inclusive na vida política e social deste países.

Rádio Internacional da China : Este mecanismo enfatiza uma reciprocidade de benefícios. Para o professor, quais benefícios que a China e a CELAC podem oferecer uma para outra. O professor podia dar algum exemplo concreto?

Evandro Menezes de Carvalho: Para a China o que interessa é, além do acesso ao mercado latino-americano, o acesso aos recursos naturais da América Latina que possa aumentar a segurança energética e alimentar do país. Para os países da CELAC o que interessa é o acesso ao mercado chinês de um modo que propicie, inclusive, o incremento de suas indústrias nacionais quando possível, e também a ampliação dos produtos a serem exportados para a China, incluindo também o setor de serviços. Há uma complementaridade entre China e CELAC pois os países da América Latina tem uma capacidade significativa de recursos naturais e produtos agrícolas e estes são bens que interessam ao mercado e ao Estado chinês. Por outro lado, o que a China pode propiciar é o acesso ao seu formidável mercado para os produtos e serviços latino-americanos. E como o potencial de cooperação é muito grande, a pauta pode se diversificar ainda mais. E este parece ser um grande desafio. A reciprocidade de benefícios tem que extrapolar não só as questões tarifárias mas também ser feita de um modo estratégico para a construção de uma relação mais estável e constante que propicie a potencialização dos mercados nacionais dos países envolvidos.

Rádio Internacional da China : Além do comércio, a China pode contribuir para alguma interação da América Latina?

Evandro Menezes de Carvalho: Eu acho que este é um momento importante. A China é um país inevitavelmente relevante para este Século XXI. O estabelecimento deste diálogo com os países latino-americanos, a partir deste movimento do governo chinês, cria as condições para a inauguração de uma nova relação com a região. Então, me parece que seria bastante interessante e produtivo para o futuro desta relação que ela não se limite apenas às questões estritamente comerciais – apesar desta ser a base fundamental para uma relação de longo prazo entre as nações. A China pode contribuir muito com toda a sua história, toda a sua cultura e toda a sua expertise na gestão pública para o desenvolvimento dos países latino-americanos. E acredito também que os países latino-americanos têm muito a contribuir e a oferecer para a China não só em termos de produtos mas também de método na forma de lidar com os problemas internos e internacionais uma vez que se trata de uma região que conseguiu passar por diversas dificuldades dentro de seu contexto histórico e dentro de uma relação de estabilidade e respeito mútuo entre os países latino-americanos.

Este diálogo pode inaugurar uma nova fase não só na relação entre os países mas quem sabe até no fortalecimento de uma ordem internacional sob a ótica da diversidade. Uma ordem internacional que aposte na visão de mundo do governo chinês, da sociedade chinesa, dos governos latino-americanos e das sociedades latino-americanas. O mundo precisa disso. A atual crise econômica e política da ordem internacional sugere que os esquemas de pensamento que dominaram o século XX e que foram importantes para a construção de uma arquitetura institucional econômica e política para o mundo, dão sinais de esgotamento. É preciso que China e os países latino-americanos acreditem mais no seu potencial para contribuir com suas ideias e suas ações, com a riqueza de suas nações, na construção de uma nova ordem internacional. E quando digo “nova ordem” não me refiro à mudança da atual mas no seu incremento visando a estabilidade econômica e política do mundo.

Rádio Internacional da China : O Brasil é o primeiro país do continente sul-americano que estabeleceu uma parceria estratégica global com a China. Em muitos mecanismos multilaterais, o Brasil mantém diálogos mais intensos com a China do que outros. Neste novo cenário, como o Brasil vê a aproximação da China ao conjunto dos países latino-americanos? Será um impacto para o Brasil ou ele terá ganhos com isto?

Evandro Menezes de Carvalho: Este é um tema de extrema importância. Acredito que dentre os países latino-americanos, o Brasil é um dos que deve ser considerado de maneira específica. É claro que cada país tem o seu valor e as suas especificidades. Mas o Brasil é um país gigante do ponto de vista territorial, do ponto de vista de sua economia e de sua população, comparativamente aos outros países latino-americanos em regra geral. É um país que tem pretensões internacionais bastante ousadas. Basta ver a pretensão constante do Brasil de ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Então não é um país que está simplesmente interessado em vender e comprar produtos pois não é um país que tem uma estrutura de mercado baseada apenas na agricultura e nos recursos naturais. O Brasil também tem um parque industrial significativo. É, portanto, um país de interesses múltiplos, que tem objetivos de política internacional mais amplos e que é uma liderança regional na América do Sul. Então a relação estratégica da China com o Brasil me parece ser uma decisão acertada. E o Brasil também lidera fóruns políticos e econômicos regionais tais como o Mercosul e a UNASUL – que são organizações fundamentais para a estabilidade na região sul-americana e também no fortalecimento da independência e da autonomia dos países sul-americanos diante dos Estados mais poderosos e desenvolvidos.

Feita esta consideração, eu penso que o fórum China-CELAC exercerá um impacto sobre o Brasil, sob todos os ângulos, positivo somente se o Brasil souber tirar o melhor proveito desta nova situação. Em primeiro lugar, a competitividade dos produtos chineses forçará o governo brasileiro a tomar medidas que aumentem a competitividade de seus bens e serviços destinados tanto para o mercado interno como para o mercado internacional. Em segundo lugar, esta competição por mercados poderá também estimular a ampliação de parcerias entre empresas chinesas e brasileiras a fim de maximizar os ganhos e evitar que esta competição seja vista como algo que prejudique a indústria brasileira e redunde numa relação de desconfiança mútua. Eu acho que a percepção, de certo modo disseminada na América Latina ou pelo menos no Brasil, da “ameaça chinesa”, sob o ponto de vista dos produtos chineses invadirem os mercados latino-americanos, deve ser afastada a partir de uma política de desenvolvimento mútuo das relações comerciais entre estes países. Daí a importância deste fórum que deve visar não somente a ampliação dos mercados de um lado só, mas de todos. E este Fórum deve ajudar a favorecer a eliminação da percepção de que o ingresso dos produtos chineses em um país significaria uma ameaça à sua indústria nacional. Esta percepção deve ser eliminada e este fórum de cooperação China-CELAC pode ser o espaço institucional apropriado para isto.

Rádio Internacional da China : Por último, o professor é especialista em BRICS, que é também um mecanismo multilateral e um bom exemplo para cooperação Sul-Sul. Então, como o professor está olhando o futuro do diálogo Sul-sul, em particular seu papel na promoção da nova ordem internacional?

Evandro Menezes de Carvalho: Eu olho com otimismo mas um otimismo realista. Há muitos desafios a serem enfrentados. Esta cooperação Sul-Sul extrapola a dimensão econômica, ela tem também uma ação política na medida em que ela propicia mais autonomia aos países BRICS de definirem os rumos de seus destinos na nova ordem internacional. E ao fazerem isso estão criando instituições como o Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS ou tomando iniciativas que são, em alguma medida, paralelas à estrutura internacional vigente. Acho que isto é positivo porque aumenta as possibilidades de atuação não só dos países BRICS como também as possibilidades de diálogo e atuação dos países em desenvolvimento. Então a cooperação Sul-Sul, sobretudo no âmbito dos BRICS, é essencial no contexto de uma ordem internacional relativamente estagnada não só no campo econômico mas, sobretudo, no campo das ideias. O momento é muito oportuno para fazer renascer e dar estímulo ao surgimento das ideias dos países fora do centro, dos países em desenvolvimento, dos países que não se identificam totalmente em sua história com o marco ocidental de pensamento. Os BRICS, se souberem fazer, estimular e criar um ambiente de iniciativas inovadoras, podem contribuir muito para a solução dos impasses que o mundo vive hoje. E por isto sou otimista. Mas também falei que sou realista pois este caminho é difícil. Mesmo os países BRICS têm problemas internos a serem enfrentados e precisam ter a capacidade de ousar. E esta ousadia ainda lhes falta. É preciso ter esta consciência de que os maiores desafios que enfrentamos para a cooperação Sul-Sul estão dentro dos próprios países BRICS. Eles precisam ser um pouco mais inovadores, ousados, encontrar uma linha de diálogo frutífero que gere iniciativas concretas que possam ser percebidas pelos demais países do mundo.

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