05 fev 14

O avanço chinês na internacionalização da educação

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No resultado do PISA-2012 (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), divulgado no final do ano passado e aplicado a 510 mil alunos, a cidade de Xangai ocupou a primeira posição dentre os 65 países avaliados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os estudantes de Shanghai tiveram o melhor desempenho nas três dimensões avaliadas: matemática, leitura e ciências. Foram avaliados aproximadamente 6.400 estudantes de 155 escolas daqui de Xangai. De acordo com o relatório do PISA, os estudantes de Xangai reservaram uma média de 13.8 horas por semana fazendo trabalhos escolares, quase três vezes acima da média de 4.9 horas gastas pelos demais estudantes.

As 10 potências mundiais na educação são as seguintes:

Programa Internacional de Avaliação de Alunos – PISA 2012

RANKING DE LEITURA

RANKING DE MATEMÁTICA

RANKING DE CIÊNCIAS

Economias Média Economias Média Economias Média
1º – Xangai-China 570 1º – Xangai-China 613 1º – Xangai-China 580
2º – Hong Kong-China 545 2º – Cingapura 573 2º – Hong Kong-China 555
3º – Cingapura 542 3º – Hong Kong-China 561 3º – Cingapura 551
4º – Japão 538 4º – Taiwan (Taipei-China) 560 4º – Japão 547
5º – Coreia do Sul 536 5º – Coreia do Sul 554 5º – Finlândia 545
6º – Finlândia 524 6º – Macau-China 538 6º – Estônia 541
7º – Irlanda 523 7º – Japão 536 7º – Coreia do Sul 538
8º – Taiwan(Taipei-China) 523 8º – Liechtenstein 535 8º – Vietnã 528
9º – Canadá 523 9º – Suíça 531 9º – Polônia 526
10º – Polônia 518 10º – Holanda 523 10º – Canadá 525
Média da OCDE 496 Média da OCDE 494 Média OCDE 501
55º – Brasil 410 58º – Brasil 391 59º – Brasil 405

As economias asiáticas estão dominando o ranking educacional. China se faz presente com Xangai, Hong Kong, Macau e, também, Taiwan. Brasil está abaixo da média da OCDE amargando uma posição vergonhosa apesar de ser a sétima economia do mundo. Em relação ao penúltimo PISA, de 2009, o Brasil perdeu posição em todas as três dimensões avaliadas. Na Copa do Mundo da Educação, somos freguês, o Íbis da educação (com perdão da comparação com o time pernambucano que ficou mundialmente famoso como o pior time do mundo). Já Xangai manteve-se na liderança. Está na série A do ensino.

A principal crítica que se pode fazer a este ranking é que a educação oferecida em Xangai não é representativa daquela de toda a China. Afinal, os estudantes de Xangai, bem como os das demais cidades chinesas que estão no Top 10, tem acesso a uma educação com melhor nível de qualidade. A amostragem do PISA viola, portanto, regras básicas de metodologia de pesquisa e perde confiabilidade. Assim, um país inteiro como o Brasil, com todas as diferenças internas nos níveis de desenvolvimento, não pode ser comparado com cidades desenvolvidas e ricas como Xangai e Hong Kong.

Diante desta falha metodológica, a revista Time publicou matéria intitulada “China está trapaceando no sistema mundial de ranking de estudantes”.[1] E o subtítulo dizia: “Basta: Pequim deve fornecer dados nacionais para avaliadores e não apenas os resultados de uma pequena minoria de estudantes de elite”. Andreas Schleicher, vice-diretor para educação e assessor especial de políticas educacionais da OCDE, reagiu a estas críticas afirmando que “sempre que um americano ou europeu ganha uma medalha de ouro olímpica, nós os brindamos como heróis. Quando é um chinês, a primeira reação é dizer que ele deve ter feito uso de doping, ou se isso é demais, que deve ter sido resultado de um treinamento desumano” E complementa: “apenas dois por cento dos alunos americanos de 15 anos de idade e três por cento dos estudantes europeus atingiram o mais alto nível de desempenho de matemática no PISA (…). Em Xangai, é mais de 30 por cento”.[2] Apesar desta afirmação, a crítica metodológica ainda é válida.

Tendo em conta esta ressalva, como andam os brasileiros com mais alto nível de desempenho?

Se levarmos em consideração apenas os alunos da elite brasileira para efeitos de comparação, nós continuamos com um resultado sofrível. Como noticiou o jornal O Globo, “considerando apenas os alunos que, pelos critérios da OCDE, estariam entre os 25% de maior nível socioeconômico em cada nação, a elite brasileira figuraria apenas na 57ª posição entre os 65 países. O resultado deixa a desejar mesmo quando esse grupo é comparado com os mais pobres da média da OCDE, grupo que congrega principalmente nações desenvolvidas. Enquanto os brasileiros no topo da pirâmide social registraram uma média de 437 pontos, os 25% mais pobres da OCDE tiveram média de 452 pontos”. E acrescenta: “se considerada só a média dos 5% de alunos com melhor desempenho nos 65 países, a posição do Brasil no ranking seguiria praticamente inalterada: 58ª”. (http://glo.bo/1bD61sQ). Ou seja, no Brasil, a elite econômica paga mensalidades de primeiro mundo para seus filhos estudarem em escolas de baixa qualidade. E no lado da educação pública, o investimento do governo ainda é muito aquém do desejável. Gastamos, por aluno, metade do mínimo que a OCDE recomenda. A sociedade brasileira, ao descuidar da educação pública, está indiretamente descuidando da educação privada. Melhorar e investir na educação pública é condição para que as escolas privadas sejam pressionadas a oferecerem um melhor ensino.

E não é só no PISA que a China supera o Brasil. No ranking publicado pelo grupo THE (Times Higher Education) – principal ranking internacional de universidades – a China conta com seis universidades, sendo uma delas de Taiwan.[3] O Brasil sequer aparece na lista das 200 melhores universidades do mundo. E no ranking dos países BRICS e mais 17 emergentes, a China lidera a lista com 23 universidades. Só há quatro brasileiras entre as cem melhores. Nenhuma dentre as top 10. Já a China continental conta com quatro instituições e Taiwan com uma. A USP está na honrosa e excelente 11o colocação. É a melhor do Brasil.

Curioso notar que as universidades que estão no topo da lista são aquelas que possuem cursos dados em inglês, mesmo não sendo elas de países de língua inglesa.[4] Isto contribui de maneira positiva para o indicador de internacionalização do ranking. A China, neste quesito, torna-se um surpreendente exemplo.

As universidades de Xangai estão repletas de alunos estrangeiros. O governo chinês tem uma política assertiva de concessão de bolsas de estudo para quem quer estudar mandarim, fazer uma graduação ou pós-graduação.[5] E ainda há os estrangeiros que vem para cá com recursos próprios a fim de estudar exclusivamente o idioma. Em razão desta abertura da China para estudantes estrangeiros, o ambiente dentro do campus é internacionalizado. E o governo tem investido na melhoria da infraestrutura universitária. Quem pensa que vai encontrar uma Universidade com instalações precárias, vai se surpreender. As bibliotecas tem boas instalações e costumam estar lotadas. E a universidade acolhe todos os estudantes estrangeiros e chineses nos inúmeros e adequados dormitórios espalhados pelo campus. Eu fiquei impressionado quanto a isto. Aqui, a noção de “cidade universitária” faz todo sentido. A quantidade de prédios destinados para moradia dos estudantes é algo que chama muito a atenção.

Em 2011, de acordo com a OCDE, dos 4,3 milhões de estudantes internacionais no ensino superior no mundo, 77.400 estavam estudando em faculdades na China. Para o Ministério da Educação chinês os dados são outros: o país teria recebido aproximadamente 119.000 estudantes estrangeiros naquele ano. E muitos chineses estão preferindo estudar nos EUA. O número de estudantes chineses que tentam vagas nas universidades estadunidenses tem aumentado a cada ano. Um relatório do Instituto de Educação Internacional, publicado em novembro de 2013, indicou ter havido 235.597 estudantes chineses nos EUA no ano acadêmico 2012-2013, um aumento de 21.4% em relação ao ano anterior. E 40% do total de estudantes admitidos nas graduate schools nos EUA são de estudantes provenientes da China de acordo com o Council of Graduate Schools, organização com mais de 500 instituições de educação superior nos EUA e Canadá.[6] É um dado surpreendente.

A meta do governo chinês é acolher 500.000 estudantes estrangeiros em 2020. Para alcançar este objetivo aumentou o número de bolsas para estudantes estrangeiros (devendo alcançar a marca de 50.000 bolsas em 2015) e ampliou o número de cursos oferecidos em inglês dentro das universidades. No quesito “internacionalização” a China faz o seu dever de casa sem qualquer dogma linguístico em relação ao uso do idioma de Shakespeare. Quem diria! A dita China comunista que se integra cada vez mais ao mundo (e faz com que o mundo integre-se cada vez mais a ela) não tem nenhuma “crise ideológica” em promover o ensino em inglês dentro de suas universidades – e, inclusive, nas escolas.Isto tem uma razão: a prova de inglês é uma das mais temidas no famoso gaokao – o exame nacional de admissão para as universidades que é realizado uma vez por ano pelas diferentes províncias e municipalidades da China. Trata-se do vestibular chinês que se realiza há três décadas.

O peso da prova de inglês no cômputo das notas do gaokao faz com que os estudantes desconsiderem as outras matérias. O governo quer reagir a esta situação. Assim, na Terceira Plenária do 18o Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh), realizada em novembro do ano passado, foram anunciadas possíveis medidas de reforma do gaokao. A primeira delas visa abolir o modelo de um único exame anual decidir o futuro do estudante. Há propostas de sistemas de admissão com base tanto nos resultados do gaokao quanto na proficiência acadêmica do aluno tendo em conta o seu rendimento no ensino médio. Além disso, quer-se excluir o inglês da prova do vestibular e aplicá-lo à parte, permitindo, inclusive, que o aluno, se quiser, submeta-se mais de uma vez ao ano ao exame de avaliação de domínio daquele idioma. Somente a nota mais alta seria considerada no cômputo geral das notas do aluno para admissão às universidades. Os estudantes poderão escolher quando e com que frequência farão os exames de inglês. Para Chu Zhaouhui, pesquisador sênior em educação do Instituto Nacional de Ciências da Educação, as autoridades estão interessados ​​em mudar o foco do inglês para a cultura tradicional chinesa. “A importância da China tem sido negligenciada nos últimos anos, enquanto o inglês é uma área em crescimento no mercado de educação”, disse ele.[7]

Algumas destas medidas serão adotadas em determinadas províncias a partir deste ano de 2014, e ampliadas em 2017. Em 2020, espera-se ter um novo sistema de recrutamento em todo o país. Pequim já deu o primeiro passo. As autoridades municipais decidiram atribuir menos importância à prova de língua estrangeira a partir de 2016. A pontuação geral do inglês cairá de 150 para 100, enquanto o total de pontos para o idioma chinês subirá de 150 para 180. A pontuação máxima do gaokao é de 750 pontos. Xangai e as províncias de Jiangsu e Shangdong também planejam fazer reformas que atingirão a prova de inglês.

Trata-se de uma política de desestímulo ao aprendizado do idioma inglês?

Não. A China já tem um número expressivo de escolas de língua estrangeira que suprem as necessidades do mercado e possibilitam ao governo reduzir o nível de exigência do inglês no gaokao. O debate atual é sobre o grau de internacionalização que se quer da nação inteira. Para muitos chineses não interessados no inglês, as medidas são bem-vindas e não prejudicam os que querem ter níveis de proficiência maiores neste idioma já que poderiam adquiri-los em escolas particulares. O estudo do inglês deixa de ser totalmente focado para o gaokao, retirando uma pressão sobre os professores deste idioma que tinham que preparar os alunos apenas para terem boas performances nos exames. Assim, as aulas que antes davam ênfase na leitura e na gramática, agora poderão dar mais atenção às habilidades práticas como listening e speaking. Como sustentou uma professores de inglês de uma escola de idiomas filiada à Universidade Normal de Pequim, “a mudança no Exame não significa que o inglês não é mais importante. Pelo contrário, isso significa que nós professores de inglês podemos agora prestar mais atenção a incentivar os alunos a amar a língua inglesa, aumentando a sua habilidade prática em usar o inglês”.[8] Em outras palavras, o ensino deixa de ser orientado para as provas e volta-se mais para a realidade do mercado de trabalho e o seu uso no cotidiano.

Esta, sim, é a questão de fundo mais importante para qualquer reforma do ensino na China, no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo. A pergunta a se fazer é : o ensino – seja ele de inglês ou de qualquer outra matéria – deve ser condicionado para uma prova ou para o seu uso concreto, no dia a dia, no mercado de trabalho?

Os chineses costumam ter notas elevadas nos exames de proficiência para admissão nas universidades estadunidenses, tal como o SAT. Eles fazem o exame repetidas vezes e se preparam exclusivamente para isto, num treino incansável que envolve memorização e condicionamento. Por isto que as universidades americanas alegam que falta criatividade aos chineses, um requisito indispensável para os estudos acadêmicos. Esta também é a opinião de Chu Zhaohui: “pensamento independente, habilidade e criatividade estão em falta na educação da China”.[9] O plano de reforma do gaokao não parece caminhar nesta direção, apesar de prenunciar algumas importantes modificações.

Apesar de tudo, o gaokao ainda tem um mérito. Para o editor geral do China Daily, o exame “é amplamente considerado como o ápice da justiça social da China”.[10] Esta percepção tem raízes no período dinástico quando o modelo de recrutamento das melhores mentes para trabalhar para o Império era o concurso público. Na época, o concurso servia a dois propósitos: doutrinar a elite burocrática e propagar um sistema de pensamento capaz de manter a China imperial unida. Esta tradição do concurso público explica, em parte, a glória e o declínio da China ao longo de sua história até chegar no século XIX. Para Justin Yifu Lin, o Ocidente ultrapassou a China neste século por ter avançado no método científico, enquanto os intelectuais chineses estavam “enredados pelas exigências dos exames a que se submetiam para ingressar no serviço público”.[11] Penso no Brasil de hoje. “Um país de concurseiros”, afirmou o professor Fernando Fontainha que coordenou um recente estudo da FGV e da UFF sobre os concursos públicos federais. Para Fontainha, “o concurso no Brasil tem cada vez mais se tornado um fim em si mesmo. Seleciona as pessoas que têm mais aptidão para fazer prova de concurso”. Algo muito diferente dos chineses neste quesito? E por que vamos tão mal no PISA?

Obs.: A Zhejiang University, considerada uma das melhores universidades da China, adotou um novo sistema de recrutamento de calouros para o ano de 2014 que levará em conta três dimensões (“trinity system”): o desempenho dos candidatos no exame nacional de admissão universitária, o “gaokao” (que terá um peso de 60% sobre a nota total do aluno), o desempenho em testes de avaliação do ensino médio (com 10% do peso da nota final) e, por fim, entrevistas de recrutamento por parte da universidade (com 30%). Além da Zhejiang University, mais de trinta universidades adotarão este modelo, inclusive a Shanghai Jiaotong University, uma das melhores de Xangai.



[1] “China is Cheating the World Student Rankings System”. http://world.time.com/2013/12/04/china-is-cheating-the-world-student-rankings-system/

[2] “Are the Chinese cheating in PISA or are we cheating ourselves?” http://oecdeducationtoday.blogspot.com/2013/12/are-chinese-cheating-in-pisa-or-are-we.html

[4] Ranking da THE no link: http://bit.ly/1hWIVBr

[5] Para maiores informações sobre as bolsas de estudo concedidas pelo governo chines, acesse o site http://www.csc.edu.cn/laihua/scholarshipen.aspx.

[7] “Easing up on English”. China Daily, 24 de outubro de 2013, página 4.

[8] “Teachers, students divided over gaokao reform plan”. China Daily de 22 de outubro de 2013, p. 3.

[9] China Daily, p. 5, de 5/12/13.

[10] Bai Ping, “Corruption calls for drastic reform in universities”. In China Daily, 7 de dezembro de 2013, p. 5.

[11] Citado por Henrique Altemani de Oliveira no livro Brasil-China: cooperação Sul-Sul e parceria estratégica. Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2012, p. 27.

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