China no ano da serpente
O desconhecimento da cultura chinesa no Brasil é causa de inúmeros equívocos e preconceitos a respeito da vida política e social daquele país. A China é o clássico exemplo do “Outro” que, por ser tão diferente de “Nós”, é preciso fazer um esforço extraordinário para compreender e descobrir que há, neste país, um debate fascinante de ideias e de concepções de mundo que pode renovar o sentido e a prática das relações internacionais contemporâneas. A China é hoje o principal Estado impulsionador das mudanças no sistema internacional em razão de seu peso político, econômico e cultural. Tudo neste país é superlativo. Suas escolhas e decisões interessam ao mundo em virtude do impacto que elas podem ter na política externa e interna de qualquer nação.
O ano de 2012 foi o ano do dragão ao qual se atribui grandes eventos e resultados. Na China, foi o ano em que se consolidou o processo de transição entre a quarta e a quinta geração no governo, selando uma nova estrutura de poder. O presidente Hu Jintao e o premiê Wen Jiabao, responsáveis por taxas expressivas de crescimento na China, renunciaram aos seus cargos durante o Congresso do Partido dando lugar a Xi Jinping que assumirá a Presidência da China em março deste ano. O ano de 2013, que no calendário chinês iniciou-se em 10 de fevereiro passado, é o ano da Serpente, signo de Xi Jinping. Contemplativa e reservada, a serpente é mais racional e parcimoniosa no ambiente de negócios. Pessoas que nasceram no ano da Serpente não são grandes comunicadores mas são determinadas na busca de seus objetivos. A sabedoria antiga chinesa diz ser um bom presságio encontrar uma serpente em sua casa pois significa que a sua família não morrerá de fome. Acreditar nisto pode ser um alento para uma China preocupada com a segurança alimentar de sua população de quase 1 bilhão e 400 milhões de pessoas.
Os desafios são grandes. O governo avaliou ser necessário restabelecer o controle da atividade econômica a fim de reduzir a concentração de renda – ainda que em detrimento da balança comercial – e planejar a mudança de modelo de desenvolvimento a longo prazo. O 12o Plano Quinquenal para o Congresso Nacional do Povo (NPC) definiu um quadro político geral que deverá servir de orientação para esta política econômica e social da China durante o período 2011-2015. Muda-se o foco. Priorizar-se-á o desenvolvimento por meio da redução da meta de crescimento do PIB para 7%, abaixo dos 7.5% previstos no Plano anterior, e será dada maior ênfase no aumento da renda familiar a fim de revitalizar o consumo privado doméstico. Além disso, o modelo de desenvolvimento deverá ser baseado na economia verde, com estímulo à tecnologia e à inovação. Se concluído com êxito, a China tornar-se-á a primeira potência econômica mundial em poucos anos. Qual a repercussão deste fato no cenário internacional?
Se outros países emergentes, como o Brasil, seguirem o crescimento chinês e o comércio entre eles aumentar, a estrutura de poder internacional será substancialmente alterada. De certo modo isto já está acontecendo com o protagonismo do G20, que representa aproximadamente 90% do Produto Interno Bruto mundial e 2/3 da população global, e as demandas, cada vez maiores, por reformas nas instituições de Bretton Woods. Há uma mudança em curso no cenário internacional de grandes proporções e que contribuirá para a configuração de um mundo mais multipolar. Novas parcerias estratégicas poderão surgir deste novo cenário internacional em mutação. Aquela entre Brasil e China pode ser uma das mais significativas e ainda a ser descoberta em toda a sua potencialidade. Como disse o célebre sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, o Brasil, sob vários aspectos de sua organização e de sua paisagem, é uma “área indecisa entre o Oriente e o Ocidente”. (China Tropical. São Paulo: Global, 2011, p. 45). Precisamos descobrir o lado oriental do Brasil.
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2 Comentários
Gostei muito do seu blog. Apesar de ser acadêmico, ele é leve e muito prazeroso de ler.
E sempre afirmo, apesar de muitos conterrâneos me criticarem e por vezes me chamarem de louca, que o povo brasileiro e o chines tem muita coisa em comum. Nao conhecia essa afirmação de Freyre, mas agora me sinto até mais confiante em continuar com minha ‘tese’. Espero que os caminhos que o Brasil escolha nos levem realmente há um desenvolvimento mais consistente e ao alcance de todo cidadão.
Abraço.
Olá Christine, fico contente que tenha gostado do estilo dos post. De fato, a leitura tem que ser prazerosa. Nem sempre me restringirei a temas da vida política e jurídica chinesa. A seção “Vivendo na China” abordará temas mais leves do cotidiano. Freyre foi um observador atento da cultura brasileira e, sobretudo, pernambucana. Sou de Recife e Olinda. Nasci na primeira, vivi na segunda cidade. Ambas tiveram em seu passado a influência dos utensílios e tecidos que vinham de Goa e Macau. Daí o contato com a cultura Oriental. Vale a pena a leitura do livro. Grande abraço. EMC.