17 jan 16

O preço de educar para a burocracia: o caso chinês

Exame.Imperial

Um dos feitos notáveis das dinastias chinesas foi aquele de ter instituído uma burocracia que permitiu ao imperador ter o controle sobre um país tão grande em território e população. A inovação, na época, foi a realização de concursos públicos para selecionar os mais aptos. Em um templo confucionista em Nanjing que servia como um cursinho preparatório para os exames imperiais, pude ver uma exibição de fotos dos locais de prova: eram galpões imensos de onde se espalhavam centenas de bancas de prova e várias pequenas torres onde ficavam os fiscais. Sim, havia cola naquela época. As provas envolviam conhecimento de caligrafia, lições confucianas, pintura e poesia. Aqueles que obtinham as melhores notas tinham o privilégio de trabalhar na Cidade Proibida – centro do poder imperial. Ser aprovado no exame imperial era o suprassumo da vitória profissional para qualquer chinês comum.

No outro lado do hemisfério Norte, a Europa estava funcionando a pleno vapor sob o signo da revolução industrial. Novas descobertas científicas eram feitas, máquinas substituíam o trabalhador e aceleravam o tempo da produção. Com a industrialização europeia novas e potentes armas de guerra foram projetadas e usadas para uma nova onda colonizadora que chegou às margens da China. Inglaterra, França, Alemanha e Rússia controlavam portos e tomaram partes do território chinês. O Japão, que havia seguido o caminho europeu da modernização, também avançou sobre a China com muito apetite. No final do Século XIX, a China estava exaurida, endividada e empobrecida. A dinastia Qing soçobrava. O modelo de formação da elite governante chinesa era adaptado apenas para a China e não para o mundo que emergia da revolução industrial e prenunciava o que viria a ser o Século XX. Afinal, enquanto os chineses se dedicavam ao estudo para os concursos, outros países estavam explorando todas as potencialidades que a era industrial estava propiciando.

Exasperados pelo histórico de derrotas sofridas, o imperador chinês Guangxu, apoiado pela imperatriz-viúva Cixi, lançou, em 1898, um conjunto de reformas modernizantes. No topo da lista de mudanças estava a reforma do sistema educacional que era o fundamento do Estado.

28 nov 15

Xi Jinping e Obama construindo o século XXI

obama-xiEm setembro deste ano de 2015 o Presidente da China, Xi Jinping, fez uma visita de Estado aos EUA e reuniu-se com o Presidente Barack Obama. Trata-se do encontro das duas maiores economias do mundo. Não é um fato trivial. O futuro do mundo depende, cada vez mais, do entendimento entre estas duas potências na definição de padrões de comportamento e regras internacionais que balizarão a competição mundial no campo do comércio, das finanças, da tecnologia etc., sem deixar que as questões mais controversas conduzam o mundo inteiro para o abismo.

Quando a administração Obama, em 2012, redefiniu a política externa estadunidense dando ênfase à Ásia Oriental, explicitou para todos os países uma tendência já percebida pelos analistas mais atentos: o centro do mundo se deslocava da Europa e Oriente Médio para a região onde a influência do então Império do Meio, torna-se, hoje em dia, um caminho sem volta. Desde então, estudiosos e autoridades procuram compreender esta nova realidade. Dois grandes eixos de reflexão disputam a narrativa deste século: o primeiro é influenciado por uma mentalidade típica da Guerra Fria e vê a ascensão chinesa como uma ameaça para o mundo. Os defensores desta perspectiva confiam aos EUA o direito de ser o fiador último da paz mundial e apoiam a continuidade do modelo atual de organização da sociedade internacional; o outro eixo de reflexão, sem negar os riscos que há em toda relação entre gigantes, entende que o renascimento econômico da China contribui para o fortalecimento de um mundo multipolar – condição verdadeira para uma ordem internacional mais pacífica. Os defensores deste ponto de vista apoiam a reforma das instituições internacionais a fim abranger mais atores com capacidade decisória a fim de aplacar as atuais e futuras tensões internacionais.

A premissa do primeiro eixo é que o conflito EUA-China será inevitável se nada se fizer para conter a China; já para os que se filiam ao segundo eixo, a cooperação mais estreita entre as duas grandes potências é o caminho necessário para a paz já que a ascensão chinesa – e não o conflito – é inevitável. Independentemente da preferência por uma ou outra narrativa, o fato comum entre elas é que o futuro dos demais países está atrelado, em maior ou menor grau, às decisões tomadas pelas duas potências, seja isoladamente ou bilateralmente.

O Brasil precisa acompanhar atentamente a relação sino-estadunidense.

07 out 15

Citação – Wang Jianlin

“Na China, é impossível distanciar-se do governo. É impossível não se preocupar com o Partido”Wang Jianlin, Presidente do Dalian Wanda Group, sobre as relações governo-negócios na China, citado pelo The Beijing News.

07 out 15

Citação – Fu Ying

“A maioria dos relatos da mídia ocidental sobre a China pode ser generalizada como dizendo a China é ‘muito grande’, ‘muito má’ ou ‘muito estranha'”. Fu Ying, Presidente do Comitê de Relações Exteriores da 12ª Assembleia Popular Nacional, ao dizer que o mundo ocidental sempre impõe padrões duplos sobre a China, e sua compreensão da China está desatualizada. Citado pelo China News Service.

03 out 15

Fim da política do filho único, fim de uma era

Blog.Child.PolicyRenshan renhai (人山人海) é uma expressão chinesa que poderia ser traduzida como “montanha de pessoas, mar de gente”. Transmite a ideia de multidão. Esta frase se aplica perfeitamente durante o período do feriado nacional que começou no dia 1o de outubro para celebrar a fundação da República Popular da China. Decidi aproveitar a manhã ensolarada e azul do segundo dia do feriadão para ir até o Yuyuan Garden aqui em Shanghai. Local de arquitetura tipicamente chinesa com um comércio vibrante que passei a gostar para passar meu tempo em dias de descanso. Não deu outra: uma montanha de gente, um mar de pessoas. Devido a isto, a circulação no local tinha que obedecer a direção estabelecida pelos policiais. É nestas horas que você vive a China de um jeito que também lhe faz entender muitos aspectos do cotidiano deste povo.

A China conta, atualmente, com uma população de 1.38 bilhão de habitantes distribuídos em 56 etnias. Dados oficiais dizem que pouco mais de 90% deles são da etnia Han. A China, portanto, é Han. Estima-se que em 2020 a população será de 1.43 bilhão e, em 2033 alcance o pico de 1.5 bilhão. Neste oceano de gente um núcleo bem menor ocupa um lugar central na estrutura da sociedade e na manutenção da ordem social: a família. Ela é central na cultura chinesa. Diferentemente do Ocidente onde cada novo casal inaugura um núcleo familiar quase independente de suas famílias de origem, na China, o novo casal casa com as famílias de seus respectivos cônjuges e que não se restringe aos avós, pais, filhos e netos – ela alarga-se na linha horizontal de parentesco de modo a incluir tios, tias, primos, primas de todos os graus. A família chinesa é a perfeita tradução da noção de “coletividade” no maior país dito comunista do mundo: na perspectiva do indivíduo chinês, o “coletivo” vai até aonde a vista alcança um parente. Pela família, o chinês faz o que for preciso. As exceções inserem-se dentro da rede de relações pessoais cultivadas pelos chineses – conhecida pela expressão “guanxi” (关系).

Um país com uma população majoritariamente homogênea em relação à etnia e ao modo como organiza o papel da família e seus valores tem na sua expressão numérica um fator importante. A demografia e as políticas de planejamento populacional podem explicar certos padrões comportamentais das famílias, bem como as mudanças que poderão ocorrer nos seus hábitos e, no limite, no seu próprio conceito.

11 jul 15

A China e os seus dois Ocidentes. Qual é o nosso?

Vista.Chinesa

Um estrangeiro recém chegado na China é um potencial candidato a ser um veiculador de clichês. Muitos que aqui estão querem transmitir aos seus compatriotas do país de origem uma visão sobre a China que superdimensiona aquilo que é tido como caracteristicamente peculiar na cultura chinesa. Aí todos os tipos de clichês se afloram: a China confucionista, do chinês mal educado, da culinária peculiar etc. É mais ou menos como aquele estrangeiro que está no Brasil e que, no intuito de querer “conhecer” o Brasil, aquele país tropical abençoado por Deus, procura por araras, mulatas, um barquinho e um violão, além de uma manhã de carnaval que se estenderia pelo dia inteiro. O resultado disto é que se vive um país que não existe a não ser na imaginação dos inocentes em busca de um mundo perdido em algum lugar da sua mente.

Pôr a lupa sobre aquilo que os nossos olhos já veem de modo condicionado pelas informações que circulam recheadas de estereótipos só nos impede de ver a realidade como ela é. O melhor a fazer para se prevenir das imagens distorcidas por um preconceito ou romantismo exacerbado da realidade é, simplesmente, abandonar as lentes que deturpam os sentidos e enfronhar-se no cotidiano do país para ver, com os próprios olhos, como ele é.

Estou morando na China há dois anos. Parece muito, mas não é. O tempo de aprendizagem, adaptação e gosto pela China não é, para nós “ocidentais”, o tempo que levamos para aprender a se adaptar e a gostar de uma Espanha, uma França, uma Itália, por exemplo. Certa vez, o diplomata brasileiro Durval Carvalho compartilhou comigo a seguinte reflexão: “Quando nós brasileiros vamos morar na Europa, 80% do software sobre a cultura europeia já está instalado em nós. Mas quando se chega na China, o download que fazemos da cultura e do idioma chinês começa do zero e progride lentamente”. Ele tem razão. E faço um pequeno acréscimo: o download é daqueles que avança e recua com frequência a depender do grau de conexão que se estabelece com a China, ou seja, com a sua língua, com os chineses, com a sua cultura. Não basta morar aqui, é preciso viver e querer viver a China. E recomendo não vir para cá munido apenas das informações que a mídia ocidental veicula sobre a China.

Aliás, este é um assunto que merece uma reflexão. Na China, a palavra “Ocidente” pode ser dita de duas formas

21 mar 15

China e Japão: o futuro do mundo em suas mãos

China-Japão

Para um estudioso ou observador interessado nas relações internacionais, viver na China é uma experiência que desafia o nosso modo de ver a realidade internacional porque muda, inevitavelmente, o nosso campo de visão. Desde o Brasil, a Ásia torna-se uma realidade remota não só pela distância geográfica, mas também por influência do nosso contexto geopolítico, das notícias internacionais selecionadas e divulgadas pela mídia nativa e do ambiente acadêmico demasiadamente orientado pela agenda euro-estadunidense. O pouco que sabemos sobre a Ásia é, assim, influenciada pelas ideias que navegam no eixo norte-sul do Atlântico.

É natural que enquadremos o nosso olhar na direção dos assuntos que estão mais próximos ao “nosso mundo”. O “zoom” intelectual de longo alcance capaz de olhar, no detalhe, o que se passa na paisagem asiática é um exercício ao qual poucos se dedicam. Em regra, falta-nos interesse e, também, uma boa “tecnologia cultural” que nos permita enxergar o lado oriental do mundo sem as lentes dos estereótipos, ideologias e dogmas do Ocidente – e que são muitos.

Somente quando se vive a Ásia é que o campo de visão do ocidental se alarga. Somos expostos a diferentes conceitos, expressões, hábitos, problemas e modos de pensar e agir. É preciso sensibilidade para perceber diferenças sutis mas fundamentais. Sem isso, tudo o que se possa dizer sobre a Ásia é de uma tolice caricata.

Viver no Oriente é, também, expor-se mais às questões de países que não aparecem no radar da política e da mídia brasileira. O noticiário internacional é mais diversificado aqui na China porque não se limita ao que interessa à Europa, aos EUA e ao que se passa no Oriente Médio. Há muitas notícias sobre diversos países da Ásia e da África. Obviamente estes são continentes onde a presença chinesa só aumenta.

O fato é que o campo de visão é uma escolha ancorada nas circunstâncias concretas de quem olha. Mas o Brasil não deveria, também, estar mais interessado e atento ao lado oriental do mundo? A pretensão de ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e o fato da China, por exemplo, ser o seu primeiro parceiro comercial, não bastaria para perceber a importância de uma visão mais alargada dos fatos do mundo?

Até aqui sabemos muito sobre os EUA e a Europa, e quase nada da Ásia e do continente africano (e mesmo da América Latina sabemos muito pouco). Uma deficiência cognitiva como resquício de uma colonização duradoura. Alguém dirá: os rumos do mundo depende mais dos movimentos dados pelos grandes países e, por isto, interessamo-nos tanto em saber o que se passa nos EUA e na Europa. Se é assim, o que dizer da China e do Japão? Aliás, suspeito que o futuro da humanidade está dependendo, mais do que podemos imaginar, do bom relacionamento entre estas duas grandes nações asiáticas. Explico.

17 jan 15

Forum China-CELAC: entrevista para a Rádio China Internacional

China-CELAC

Transcrevo, abaixo, a entrevista que concedi para a Rádio China Internacional publicada no dia 7 de janeiro de 2015 e que está disponível no link http://bit.ly/1ILwEL7 . O título da entrevista: “O Fórum [China-CELAC] pode inaugurar uma nova relação no fortalecimento de uma ordem internacional sob a ótica da diversidade”. Meus comentários também foram publicados na matéria da China Radio International na sua versão original em chinês e que está disponível no link http://gb.cri.cn/42071/2015/01/07/3245s4833001.htm.

Rádio Internacional da China: A cúpula do Fórum de Cooperação entre China e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, a CELAC, irá inaugurar nesta quinta-feira. A primeira conferência é intitulada “Nova plataforma, novo ponto de partida e nova oportunidade”. Como o professor entende estes três “novos” para o relacionamento entre os dois lados? Quais “novos” estão na espera dos dois lados?

Evandro Menezes de Carvalho: Esta questão é pertinente porque vai no centro do título desta conferência. Ela traz esta palavra que é muito significativa: o “novo”. Pede, portanto, a novidade, a inauguração de um novo caminho, uma nova direção, de uma nova possiblidade e talvez de um novo futuro. É de certo modo uma expressão inspiradora que aponta para o futuro. Quando pensamos em uma “nova plataforma”, me parece que este fórum de cooperação entre China-Celac pretende ser uma nova plataforma de diálogo e de negócios. Quer dizer, em princípio acredito que o foco maior é na área de negócios e comércio entre as nações envolvidas mas também de diálogo que possa superar o âmbito estritamente comercial. Também quando se fala em “novo ponto de partida” me parece que esta expressão remete à ideia de um novo contexto político e econômico para a retomada das relações entre China e os países latino-americanos e caribenhos. E em relação à “nova oportunidade”, a expressão sugere a ideia de ser uma nova oportunidade para o estabelecimento de uma relação que amplie as possibilidades de participação destes países na construção não só de um caminho de desenvolvimento nacional com soberania, mas também de uma ordem internacional economicamente e politicamente mais equilibrada e justa.

Rádio Internacional da China : Caso pudermos interpretar a realização deste fórum como um sinal de que a CELAC abre a porta para a China, conforme seu entendimento, quais motivos levam o bloco a tomar esta decisão? Mais diretamente, o que os países CELAC esperam obter através desta plataforma?

Evandro Menezes de Carvalho: O que os países da CELAC querem obter através desta plataforma é, sobretudo, o fortalecimento de sua autonomia e independência. Há sempre uma preocupação dos países latino-americanos em preservar e aumentar as possibilidade do exercício soberano de suas decisões. Este fortalecimento do exercício de sua soberania passa por um investimento no multilateralismo. Esta é a política mais acertada para os países latino-americanos que já tiveram uma história de dependência econômica que produziu muitos prejuízos, inclusive na vida política e social deste países.

Rádio Internacional da China : Este mecanismo enfatiza uma reciprocidade de benefícios. Para o professor, quais benefícios que a China e a CELAC podem oferecer uma para outra. O professor podia dar algum exemplo concreto?

21 dez 14

Citação – Mark Zuckerberg

“Eu quero estudar a cultura chinesa. Estudar a língua me ajuda a estudar a cultura. Então, eu estou tentando aprender o idioma. Além disso, eu gosto de um desafio.” Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, falando em chinês numa palestra para estudantes da Universidade Tsinghua.

20 dez 14

Citação – Lu Wei

“A China e os EUA não têm medo de divergências; eles temem não haver comunicação entre eles”. Lu Wei, diretor do China’s State Internet Information Office.