22 abr 13

O que a China tem a ver com a África?

africa_china_signpostsÀ primeira vista a resposta à pergunta do título deste post seria: “nada”. Só que não. A China tem, cada vez mais, tudo a ver com a África. Nas universidades chinesas, no noticiário, nas propagandas de roteiros turísticos e, sobretudo, nos negócios, o contato entre africanos e chineses está cada vez maior. No canal de notícias chinês CCTV News há um programa jornalístico dedicado exclusivamente ao continente africano. O que está por detrás deste interesse chinês pela África?

Dois temas preocupam a China e orientam a sua política externa. São eles: segurança alimentar e energética. O desenvolvimento acelerado combinado com uma população de mais de 1 bilhão e 300 milhões de habitantes fazem com que a China não tenha como prover sozinha a sua demanda por energia e alimentos. A África é o mapa da mina mais próxima para a aquisição destes recursos a baixo custo. O continente africano ocupa quase um quarto da superfície terrestre, abriga 10% da população global, cifra que irá dobrar até 2050, e nele encontram-se recursos minerais bastante cobiçados, como o ouro, o diamante, o manganês, o cobalto, o zinco e o petróleo. A África possui ainda grande potencial agrícola.  Esses fatores explicam o fato do Presidente chinês Xi Jinping ter escolhido a Tanzânia e o Congo, além da Rússia, parceira mais tradicional, como seus destinos em sua primeira viagem internacional. No meio deste percurso, houve uma parada em Durban, na África do Sul, para participar da 5o Cúpula dos BRICS.

Em relação à Rússia, há uma correlação evidente que não tem nada a ver com a raiz comunista de ambos os países: a China é a maior consumidora de energia e a Rússia a maior produtora. A compatibilidade é evidente. Mas não é só isto. Apesar de (ainda) não serem aliados formais, ambos compartilham 4.355km de fronteira, são membros do Conselho de Segurança da ONU, no G20, na Organização de Cooperação de Shanghai, são potências atômicas e sustentam um discurso de apoio irrestrito à defesa da soberania nacional e ao princípio da integridade territorial – um recado claro às potências ocidentais que abusaram do poder que possuem para se imiscuir em assuntos internos de outros países. Na ocasião do encontro entre Xi e Putin, trinta e dois acordos de cooperação foram assinados e considerados como o “contrato do século” por ambos os lados. (Um vídeo com imagens deste encontro está disponível no YouTube: http://www.youtube.com/watch?v=QBHvGticgMs )

Por outro lado, a escolha de Tanzânia e República do Congo nos diz algo do que está acontecendo no mundo. A China é o maior parceiro comercial da África desde 2009, superando os Estados Unidos. Prevê-se que em alguns anos a África substituirá a União Europeia como o maior parceiro comercial da China, tornando-se, portanto, um continente estratégico em um cenário global de rápida mudança. Esta é a tendência desde a criação, no ano de 2000, do Forum de Cooperação China-África (http://www.focac.org/eng/). Atualmente, há mais de 2.000 empresas chinesas na África investindo em projetos nas áreas do comércio, transporte, agricultura e energia. A China forneceu assistência para a construção de mais de 2.000 quilômetros de ferrovias e 3.000 quilômetros de estradas, mais de 100 escolas, 60 hospitais e reduziu ou cancelou dívidas de Estados africanos que totalizaram mais de USD$ 3.2 bilhões. O Presidente Xi Jinping, por ocasião de um debate sobre o crescimento africano no Boao Forum for Asia Annual Conference (http://english.boaoforum.org), anunciou que nos próximos cinco anos a China investirá USD$ 500 bilhões e importará aproximadamente USD$ 10 trilhões em bens provenientes da África. Além disso, assegurou que o número de visitantes chineses ao continente africano, neste mesmo período, poderá exceder o número de 400 milhões de pessoas. Há toda uma corrente migratória que se desenvolve em ambas as direções e que é potencializada pelas projeções populacionais para os próximos 100 anos. Congo e Tanzânia ocupam um lugar de destaque. Em 2100 estima-se que estes dois países terão, respectivamente, mais de 200 milhões e 300 milhões de habitantes (Fonte: UN Population Prospects, 2010).

Por conta desta presença chinesa na África, analistas ocidentais das relações internacionais debatem se a China não estaria se comportando como uma potência colonial. Esta é a questão que o Le Monde sublinhou ao citar a opinião do presidente do Banco central da Nigéria, Lamido Samusi, em artigo publicado no Financial Times em 11 de março passado. Samusi afirmou que os africanos deveriam “acordar para a realidade de seu romance com a China. […] a China toma nossos recursos naturais e nos vende produtos manufaturados. Era esta a essência do colonialismo. Os britânicos estiveram na África e na Índia para garantir matérias-primas e mercados. A África está agora aberta voluntariamente a uma nova forma de imperialismo”.  A essência da crítica de Samusi é que a relação comercial entre China e África é desvantajosa para este continente a longo prazo. Mas este fato, por si só, é suficiente para basear o argumento de que há uma nova forma de colonialismo chinês na África? Se for, então podemos dizer que a América do Sul é colônia chinesa. Afinal, somos grandes exportadores de matéria-prima e importadores de manufaturados provenientes da China.

O colonialismo baseia-se numa assimetria de poder entre as partes, que limita a liberdade de ação de um Estado soberano – o que não me parece ser o caso da relação China-África onde os 54 países deste continente mantêm preservadas a sua soberania nas relações internacionais. A África vem desenvolvendo mecanismos para garantir que a decisão sobre como aplicar o afluxo de recursos para o continente caiba aos próprios africanos. Essa é um traço importante que lastreia iniciativas como a Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD). Isto não exclui uma avaliação sobre os aspectos positivos e os riscos da relação de cada um deles com a China.

Há um outro aspecto a considerar. A China fornece apoio econômico aos países africanos a partir de um padrão de relacionamento diferente daquele praticado pelos EUA e pelos Estados europeus. Estes países costumavam condicionar (e ainda condicionam) suas ajudas e empréstimos a determinadas contrapartidas a serem observadas pelos governos africanos, além de deixarem aos atores privados a execução de vários projetos. A China não exige contrapartida. Este é um exemplo concreto de política externa que se coaduna com o discurso de respeito às soberanias nacionais. Para a África, continente que já foi explorado na própria carne, os termos desta relação com a segunda maior potência econômica do mundo não deixam de ser mais simpáticos do que os das potências ocidentais.

No esforço de aumentar ainda mais a sua influência na África, o governo chinês anunciou que treinará 30.000 profissionais africanos e concederá 18.000 bolsas de estudo para estudantes africanos até 2015. De acordo com o Ministério da Educação da China, 27.052 estudantes africanos estudaram na China em 2012 – um aumento de 30,41% em relação ao ano anterior. Para se ter uma ideia do avanço desta parceria, em 2003 apenas 1.793 estudantes africanos estudaram na China. No programa governamental chamado “Projeto 20 mais 20”, vinte universidades chinesas fornecem oportunidades de intercâmbio para alunos e professores africanos, com concessão de bolsas e aprendizagem do idioma chinês. Na Shanghai University of Finance and Economics (SHUFE), onde estou vinculado como Senior Scholar, a presença dos africanos bolsistas é notória se comparado a dos demais estrangeiros vindos da Europa, Américas e mesmo Oceania.

Á África agora tem uma alternativa. E num contexto internacional de muita restrição econômica para os investimentos externos e o comércio internacional, a parceria com a China é muito bem-vinda e tem um impacto positivo sobre o continente africano. Neste curso atual da história, a China, com o seu pragmatismo paciente, foi menos preconceituosa e mais respeitosa da soberania nacional dos parceiros africanos. Ela se utiliza da tradição do seu discurso anti-imperialista e anticolonialista para se colocar ao lado dos países emergentes e sublinhar os aspectos de interesse comum com a África. Os países desenvolvidos agiram de modo contrário e agora sustentam que a China comporta-se como uma potência colonial. Por que será? São muitas as opções disponíveis no menu da retórica política das grandes potências para responder a esta questão. Mas todas as repostas têm a mesma motivação: o temor da perda de influência na África para os chineses. Não resta outra saída aos países ocidentais senão voltar a investir na África, mas agora em outras bases e com muito mais respeito aos africanos. Do contrário, estes países poderão ficar de fora deste novo mapa político e econômico mundial que está sendo redesenhado pela China.

6 Comentários

  • Marcia Cosentino says:

    Eu esqueci de dizer no e mail que já tinha entrado no seu site e tinha gostado muito. Os artigos são ótimos. aproveitei pra ler outro.Parabéns

  • Maria Inez Salgado de Souza,PhD says:

    MUito interessante e instrutivo o artigo de Dr. Evandro Menezes de carvalho. Concordo co ele em vários pontos a partir de observações dos acontecimentos por ele situados. Gostaria apenas de lembrar um fato recente que é a diplomacia brasileira do período do preseidente Lula que não mediu esforços para pautar a presença brasileira em África. A intercomplementaridade dos países, economias e regimes políticos é inegável.

  • Caique says:

    Ótimo texto. Sua crítica a respeito de um “ciúmes” dos países ocidentais com as relações África-China é muito pertinente. Não considero que a China esteja realizando um Imperialismo com a África, mas acho existe um favorecimento maior daquele, embora este esteja se “modernizando”. Acredito que a curto prazo isso seja muito benéfico para a África e acho muito difícil isso se tornar prejudicial a esse país, pelo menos em uma escala de uns 50 a 100 anos.
    O complexo é acreditar em relações simétricas, pois em toda a História, não me recordo de um único caso, no qual um País deseja realmente ajudar outro.

  • jusci says:

    quais sao os lacos historicos entre a china e africa fimado no pos2guerra mundial e sua relacao com a presenca da china no continente atualmente

  • Grazielly Garbacio says:

    Muito interresante, cai de paraquedas nesse site e fico feliz pelo acontecimento,pois foi bem instrutiva as informações.

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