05 mar 13

CHINGLISH

O idioma chinês é um dos obstáculos principais a ser superado para quem chega na China e quer aqui se instalar. É certo que em Xangai, por ser a cidade mais cosmopolita, há alguma possibilidade de se viver falando apenas o inglês. Mas isto não é desejável para quem quer realmente conhecer e viver a China. Não ter algum domínio do mandarim inviabiliza outras experiências de lugares e convívios sociais, além de criar alguns embaraços. E são inúmeros.

IMG_0840Certo dia entrei em uma pequena e charmosa loja de roupa nas imediação da Nanjing Road e quis comprar um blusão de inverno. Nenhuma das vendedoras sabia falar inglês. Mas a compra foi realizada após muita pantomima. No processo de compra e venda, perguntou-se para quem era o blusão, onde se poderia prová-lo, se a loja aceitava cartão de crédito etc. As vendedoras falavam chinês e eu inglês! Eu poderia até mesmo falar português que o resultado final seria o mesmo: a compra do produto. O fato é que, para esta simples relação de compra e venda, a língua não foi obstáculo. Os gestos e os objetos foram suficientes para salvar a comunicação e fechar o negócio. Mas a falta de um idioma comum tornou tudo um pouco cômico e trágico.

Operações mais complexas que envolvem grandes negócios exigem um bom domínio do idioma utilizado na negociação e geralmente são conduzidas por especialistas no assunto. Se o objetivo é abrir uma empresa na China, o conhecimento da cultura e do modo de pensar dos chineses torna-se fundamental. O mandarim é a porta de entrada para adquirir esta inteligência cultural.

A despeito de sua forma e sua gramática incomuns para o nosso padrão linguístico,  o idioma chinês é relevante para o mundo. A China tornou-se a maior potência comercial e é uma força política incontestável. Negar a utilidade da aprendizagem do mandarim afirmando que esta é uma língua falada apenas na China pode ser, em algumas décadas, uma afirmação insustentável. Aqui na Shanghai University of Finance and Economics há mais de 1000 estudantes estrangeiros de mais de 80 países do mundo. Todos estudando chinês. Perguntei a alguns deles o que os motivava a estudar mandarim. Resposta: fazer negócios com a China.

A presença econômica da China no mundo tem favorecido o interesse pelo mandarim. Mas este fenômeno fará do chinês um idioma internacional capaz de ameaçar o predomínio do inglês? É ingênuo dizer que sim, tal como é ingênuo dizer que o inglês será sempre a língua predominante das relações internacionais. Ao contrário do que muitos costumam dizer, eu não concordo com a tese de que o predomínio do inglês no mundo deve-se à simplicidade de sua estrutura gramatical. A história da humanidade mostra-nos que o idioma internacionalmente falado é aquele adotado pelas potências da época.

O destino da língua segue o da nação que a fala e a promove. Claude Hagège, em seu livro Le souffle de la langue (Paris: Odile Jacob, 2000), afirma que as potências são determinadas a servirem ao seu idioma juntamente com a conquista de mercado para seus produtos. Em outras palavras, exportar um idioma é um meio de abrir mercados para aqueles produtos. A língua é, portanto, um recurso chave para aumentar a competitividade do país nas relações comerciais internacionais.

Em artigo publicado no Shanghai Daily, Thorsten Pattberg, pesquisador do Institute for Advanced Humanistic Studies da Universidade de Pequim, sustenta que o principal desafio da China não é competir com os países Ocidentais por liberdade, economia e recursos materiais, mas sim escrever a “história mundial” em mandarim (aspas do citado pesquisador). E o caminho para isto, diz ele, é promover as terminologias chinesas. Aqui o idioma cumpriria um papel que ultrapassa a mera função de instrumento de trabalho para a facilitação de uma transação comercial. O idioma seria um meio de transmissão de visões de mundo e, portanto, de realidades.

Confúcio dizia: “se os nomes não são corretos, se não corresponde a realidades, a linguagem não tem sentido. Se a linguagem não tem sentido, a ação torna-se impossível”. Um recado que vale para todos aqueles que anunciam tempos difíceis para o mundo com a ascensão econômica da China. Melhor do que ficar apregoando um suposto risco chinês para a estabilidade do sistema internacional, os arautos do caos global deveriam se esforçar para conhecer a China e os chineses para compreenderem o “outro lado” da história e a visão de mundo chinesa. Para isto, seria desejável que aprendessem a ler em mandarim. Esta atitude é condição para o diálogo com a China e pode estimular a coexistência pacífica de dois idiomas e, portanto, de dois mundos, simbolizando a convivência responsável e respeitosa de duas grandes potências mundiais. O futuro da humanidade dependeria de uma espécie de Chinglish.

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5 Comentários

  • Tatiana Carvalho says:

    Professor,

    Espero que esteja tudo bem com você na China. Acabei de ler seu texto e achei interessante e cômico o modo pelo qual a linguagem corporal acaba por resolver determinados problemas de linguagem. Mas quero também compartilhar uma opinião e obter a sua: talvez hoje, no mundo globalizado em que vivemos, a ideia de apenas um idioma a dominar as comunicações internacionais não seria equivocada? O quanto perdermos ao promover somente o inglês como idioma fundamental para nossa formação?

    Abraços de seus alunos do PPGDC.

    • Evandro Menezes de Carvalho says:

      Olá Tatiana, desculpe-me o atraso na resposta. Compartilho de sua preocupação. Sobretudo quando penso nas organizações internacionais que possuem mais de um idioma oficial. Sabemos que, no dia a dia, prevalecerá uma língua – geralmente o inglês. Mas os funcionários deveriam ter competências linguísticas obrigatórias nos outros idiomas também. Nos concursos para admissão de funcionários para estas organizações, é comum desclassificarem candidatos que não possuam um bom idioma do inglês ainda que possam dominar bem outros idiomas também oficiais. Isto é uma péssima política linguística. A experiência europeia pode ser um laboratório interessante de promoção de uma sociedade multilingue. Obrigado pelo seu comentário e elogio do post. Grande abraço. EMC.

  • LUIZ ESTEVAM LOPES GONÇALVES says:

    Bravo! você sabia que aqui na FGV, através da DINT (Diretoria Internacional da FGV ) http://www.fgv.br/dint gerenciamos um convênio com o Curso Oi China, para o aprendizado de mandarim? E estamos na segundo ano da experiência. Recentemento pelo menos dois de nossos alunos participaram de reunião com a comunidade chinesa do Rio, cantando e tocando aquele ancestral do contrabaixo, cujo nome me esqueci. Abraço, LELG

    • Evandro Menezes de Carvalho says:

      Bom dia, Luiz Estevam! Não só sei como fui aluno da Profa. Liou neste curso do Oi China aí mesmo na FGV. Eu frequentei as aulas durante um ano – o que é muito pouco quando se trata de aprender o mandarim. Mas foi um início fundamental para continuar o projeto de passar uma temporada aqui em Xangai. Recomendo este curso e parabenizo a FGV pela excelente iniciativa que já rendeu frutos. Grande abraço. EMC.

  • Bruna Japiassú says:

    Olá Professor!
    Sou de João Pessoa – PB e morei em Hangzhou por um ano e meio (2009-2011). Conclui o curador mandarim para estrangeiros na Zhejiang Gongshan University.
    Sou graduada em Relações Internacionais e atualmente estou no último ano de curso de Direito, aqui mesmo em João Pessoa.
    Fiquei extremamente feliz em achar seu blog! Você tem o poder de descrever quase que perfeitamente todos os desafios e curiosidades que só quem mora aí pode entender!
    Sou professora de Mandarim desde que voltei ao Brasil, e desde entao já “enviei” 2 alunas e mais 5 pessoas de outros estados para estudar mandarim na mesma universidade em que estudei! Todos ainda me perguntam porque fui pra China, deixando duas graduações para trás e toda minha família… Quando li seus textos senti novamente toda a curiosidade e prazer que a cultura, a língua e o povo chinês transmitem todos os dias!
    Parabéns por seu trabalho, você já ganhou uma admiradora. Espero que também ganhe uma colega de profissão o mais breve possível!

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