WeChat e a Praça (virtual) do Povo
O que a Praça do Povo, no centro de Shanghai, tem em comum com o WeChat?
No coração de Shanghai, a Praça do Povo (人民广场 , em pinyin Rénmín Guǎngchǎng) é o espaço público central da cidade com várias lojas, museus, escritórios, restaurantes e cafés ao redor. Todos os domingos pela manhã acontece o “mercado do casamento”. Centenas de cartazes são expostos por pais à procura do parceiro ideal para o seu filho ou filha. Há, também, a possibilidade de o próprio interessado fazer, pessoalmente, a sua propaganda por lá. Diz-se que um anúncio custa mais de três dólares para ser exibido por cinco meses. Não me pareceu haver qualquer tipo de controle ou gerenciamento organizado destes anúncios quando por lá estive.
E o que o WeChat tem a ver com isto? O WeChat (Em chines: 微信. Em pinyin: Wēixìn, literalmente, “micro mensagem”) é também um ambiente de encontro, só que virtual. Lançado em janeiro de 2011 pela Tencent, empresa cuja sede situa-se em Shenzhen, o WeChat é hoje o aplicativo de comunicação de mensagens de voz e texto via celular mais popular da China. Estima-se que possui mais de 400 milhões de usuários. São dois “Brasis”. E está revolucionando a forma dos jovens chineses fazerem amizades e, eventualmente, encontrarem a sua cara-metade. Basta dar um “shake” ou “look around” para localizar um alvo perto de você e enviar um simpático 你好吗? (“Ni Hao Ma?”). Mais discreto, simpático e instantâneo do que a Praça do Povo, o WeChat dá aos jovens o protagonismo na busca do parceiro sem a intermediação dos pais.
Esta China do WeChat emerge com muita força. Mas não deleta totalmente alguns traços da cultura chinesa relativa aos casamentos. As mulheres, por exemplo, são pressionadas pela família para se casarem aos 20 e poucos anos. E a escolha do candidato a marido segue os padrões adotados pelos pais que frequentam o “mercado do casamento”: a jovem chinesa faz uma avaliação, digamos assim, curricular do potencial candidato ao sondar (muitas vezes diretamente) a idade dele, se já foi casado e tem filhos, profissão, salário e se possui imóvel ou carro próprios. Ela procura o que as chinesas chamam de “高富帅” (pronuncia-se “Gao Fù Shuài”, quer dizer, um homem alto, rico e bonito). Os homens, por sua vez, estão à procura de uma mulher que seja “白富美” (pronuncia-se “Bái Fù Mei”, isto é, branca, rica e bonita). Uma pesquisa recentemente aplicada pela Touchmedia aos usuários de táxis revelou que menos de 30% dos entrevistados aceitariam um “casamento nu” (termo cunhado para designar o casamento em que o casal não tem casa, carro ou outros bens). Os jovens chineses, neste aspecto, não são menos tradicionais do que os seus pais – a diferença é que estão conectados e se conectando.
Embora a China seja um país recém-chegado nos domínios da tecnologia relacionadas à internet, o fato é que este setor tem se desenvolvimento rapidamente. O país tem mais de 600 milhões de usuários da internet, correspondendo a 44.1% da sua população. Cinco websites chineses estão listados no topo dos vinte websites mais populares do mundo (são eles: baidu.com, qq.com, taobao.com, sina.com e sohu.com) segundo a Royal Pingdom, companhia sueca que pesquisa o universo da internet. Os microblogueiros e usuários do WeChat excedem a marca de 300 milhões de usuários. São 200 milhões de post publicados diariamente. Na China há mais de cem serviços de microblogs com mais de 1.2 bilhão de contas abertas. O Sina Weibo é o mais popular deles. E é um sucesso. Até o governo chinês tem estimulado os internautas a aderirem à sua campanha anti-corrupção por meio desta ferramenta on line. Um jornalista fez uso de seu microblog para acusar Liu Tienan, então Vice-Chefe da poderosa Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, de ajudar a fraudar bancos no valor de US$ 200 milhões e de ameaçar matar sua amante que teria atrasado no esquema. Liu Tienan foi afastado da função. (1)
Há autoridades que abriram conta no Weibo com o intuito de estabelecer uma comunicação direta com o público. A iniciativa surpreende. Mas tem gerado dores de cabeça para alguns. O vice-diretor do departamento de publicidade do Comitê do Partido Comunista na Província de Yunnan, Wu Hao, é um exemplo. Ele encerrou a sua conta no Weibo diversas vezes em razão dos ataques verbais sofridos. Hoje, Wu Hao tornou-se um usuário anônimo do microblog.
Outras iniciativas também chamam a atenção sobre o modo como as autoridades chinesas estão fazendo uso das novas tecnologias. A Procuradoria do município de Chongqing, no Sudoeste da China, lançou este mês um aplicativo para smartphone visando combater a prevaricação e a corrupção entre funcionários do governo. O aplicativo leva o nome de “Fique longe de crimes relacionados com os deveres”. Segundo uma autoridade da Procuradoria que não quis se identificar, o principal objetivo ao lançar este aplicativo “é lembrar aos funcionários do governo que eles estão sendo supervisionados, e não é uma boa ideia trocar o seu poder em troca de dinheiro”. (2) Resta saber se o aplicativo será utilizado de maneira eficiente tanto pelos usuários que pretendem denunciar supostos crimes quanto pelas autoridades no caso da denúncia ter fundamento legal e evidência de veracidade. Recentemente, a cantora Wu Hongfei escreveu em sua conta no Weibo que iria explodir a Comissão Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano-Rural de Beijing ao se queixar do governo local. (3) Esta sua opinião lhe valeu uma prisão somente relaxada após o pagamento de uma multa de 500 yuans, segundo informou o advogado dela no Tencent Weibo, um outro serviço de microblog.
Muitos blogueiros se veem como “representantes da opinião pública” e consideram as redes sociais um meio importante para impulsionar a reforma da China ao julgar o governo. Mas o público está confuso quando se trata de saber os limites da liberdade de expressão na internet. Este é um desafio para a sociedade chinesa, seu governo e para o direito chinês. O Secretário da Comissão para os Assuntos Políticos e Jurídicos do Comitê Central do Partido Comunista, Meng Jianzhu, pediu mais atenção no acompanhamento da participação da opinião pública através das novas mídias, como o Weibo e o WeChat. O governo tem exortado celebridades, homens de negócios e intelectuais para assumirem maiores responsabilidades e defenderem os interesses nacionais em suas mensagens nos microblogs diante dos milhares de seguidores que possuem e sobre os quais exercem grande influência. No dia 10 de agosto de 2013, durante um encontro promovido pela State Internet Information Office (SIIO), usuários influentes do Weibo discutiram como estabelecer uma sociedade virtual ordenada. Pois é, até no mundo virtual o governo chinês quer alguma ordem e harmonia. Segundo Lu Wei, diretor do SIIO, “espera-se que as celebridades enviem mensagens mais positivas para os usuários da Internet chinesa”. (4).
Entre denúncias de corrupção, mensagens monitoradas e contas encerradas, o fato é que há uma China que emerge do espaço público da internet e que merece atenção. Os países Ocidentais costumam acusar a China de bloquear o acesso a algumas redes sociais, tais como o facebook e o twitter. Muitos chineses driblam este bloqueio usando redes privadas virtuais (VPN). Além disso, as autoridades chinesas estariam permitindo o livre acesso àquelas redes sociais em locais específicos nas grandes cidades, tais como os hotéis 5 estrelas que são frequentados por homens e mulheres de negócios. (5) A China não está inteiramente fechada para o mundo. E mesmo dentro dela há um mundo que se transforma rapidamente e que não me parece compatível com o caminho escolhido pelo primeiro-ministro do Vietnã, Nguyen Tan Dung, que assinou, no início deste mês de agosto, um controvertido decreto determinando que as redes sociais como facebook e twitter somente sejam usadas para “trocas de informações pessoais”. Segundo a nova lei vietnamita, o debate político na internet será proibido a partir de setembro. (6)
Os chineses estão nas praças públicas virtuais. Eles encontraram um canal de expressão que os conectam mais diretamente com quem desejam falar – mesmo sabendo que muitos e, mesmo o governo, podem estar de olho no que dizem. Os chineses estão cientes deste imenso big brother que as redes sociais se tornaram. Em tempos de vigilância das comunicações eletrônicas do mundo inteiro por parte da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA) – que pagou milhões de dólares a empresas de internet como a Google, Microsoft, Yahoo e Facebook, para assegurar a colaboração delas no programa secreto de vigilância das comunicações eletrônicas (Prism) – quem é que pode falar mal da China?
Obs.: Curioso notar que em 2011 a obra mais vendida da editora Penguin China, aqui na China, foi “1984”, de George Orwell.
Uma nota: No dia 2 de setembro de 2013, o setor de combate à corrupção do Partido Comunista lançou um novo website como parte de seus esforços para aumentar a transparência. O endereço é ccdi.gov.cn. O site será administrado conjuntamente pela Comissão Central de Inspeção Disciplinar e o Ministério de Supervisão. Dentre as seções que constam no site, há um forum online onde o público pode deixar suas opiniões. Mas a função principal do site é receber denúncias de suspeitas de casos de corrupção e dar informações sobre o andamento de inquéritos já iniciados. Segundo o Ministério da Supervisão, mais de 40% dos casos envolvendo corrupção em 2012 tiveram sua origem nas denúncias do público. (China Daily, 3/09/13, p. 3),
(1) http://www.sino-us.com/11/Official-called-out-as-corrupt-on-journalists-Sina-Weibo.html
(2) http://www.globaltimes.cn/content/804281.shtml#.Ug2VwRb522c
(3) http://www.youtube.com/watch?v=0kgg67On3IY
(4) http://www.globaltimes.cn/content/803130.shtml#.UgjomBb522c
(5) http://shanghaiist.com/2013/08/20/facebook_and_twitter_have_been_unbl.php
Tags: Internet, Redes sociais, Tecnologia