A China e o Mundo

01 dez 14

Beijing Blue

APEC.Blue

Na primeira semana de novembro de 2014 conheci o outono de Beijing. Esta época do ano é tida como uma das mais agradáveis para visitar a capital da China. O inverno já preparava a sua chegada discretamente no suave frio do dia e nas folhas amareladas das árvores. Hospedei-me no Beijing International Hotel localizado em uma das vias principais da cidade: a Jianguomen dajie (建国门大街). Era minha sétima vez em Beijing desde que cheguei na China. Mas notei que havia algo diferente no ar: o céu estava maravilhosamente azul. Esta não é a regra.

A chegada do inverno, especialmente no norte da China, é acompanhada de um fato desagradável para a população: o agravamento da poluição do ar causado não só pelas fábricas próximas e pelo elevado número de carros (só em Beijing há mais de 5.44 milhões de veículos. Em 2007, havia 2.88 milhões), mas também pelo aumento do consumo de carvão em razão dos milhões de fornos que são ativados para o aquecimento das casas. Por isto, o inverno é o pior período do ano para respirar.

A poluição do ar na China chega a cobrir, por vários meses, mais de um milhão de quilômetros quadrados do seu território. Em 2013, Beijing ficou coberta pela fumaça em 60% do ano. Logo, menos da metade dos dias do ano tiveram níveis de poluição considerados “moderados” ou “bons”[1]. Xangai, por sua vez, ficou coberta entre 30% a 50% do ano. É comum encontrar pessoas usando máscaras protetoras nas ruas. Mas não se trata de um hábito levado a sério pela maioria da população. Muitos acham que estas máscaras não evitam o ar poluído. Há algumas especiais da 3M que já vi usarem. Mas é mais raro ainda encontrar quem as use. De todo modo, como bem disse o jornal China Daily, as pessoas se tornaram “aspiradores humanos em uma metrópole poluída”.[2] A causa central desta poluição é o padrão energético da China associado ao seu rápido desenvolvimento econômico. Por quê?

30 nov 14

Nova ordem internacional chinesa?

Made.in.china

Recentemente, o jornalista da Folha de São Paulo solicitou-me um comentário sobre as novas instituições internacionais promovidas pela China e qual a repercussão para os interesses do Brasil. Em outras palavras, o que o Brasil ganha e perde (se perde) com esta estrutura internacional paralela promovida pela China. Ao invés de um breve comentário, fiz uma breve reflexão que compartilho aqui no blog. Este tema será, certamente, um dos mais recorrentes entre os que se interessam por política internacional. Aí vai:

As organizações internacionais do pós-guerra refletiram e disseminaram os valores dos EUA. O governo estadunidense identificou que o seu interesse nacional seria melhor defendido se a arquitetura institucional internacional estivesse a seu favor e sob o seu controle. A sua política externa, por força de seu inevitável impacto sobre a realidade dos demais países, se transformou, na prática, na política externa mundial.

Mas a atual estagnação de organismos internacionais centrais para a defesa desta ordem internacional estadunidense expõe uma erosão da liderança dos EUA no mundo. E, por conta disto, os países emergentes, tais como os países dos BRICS, reclamam uma reforma das instituições internacionais, em especial do FMI, do Banco Mundial e da ONU. Mas sem sucesso. O bilateralismo avança sobre o multilateralismo de objetivos mais abrangentes e audaciosos. As incertezas quanto ao futuro do mundo, potencializadas com a crise financeira de 2008, puseram os países em situação de alerta, reativos e incapazes de pensar a longo prazo, exceto a China.

Este parece ser um dos poucos países que está planejando a sua política externa a longo prazo. E o faz por meio do método pelo qual a China tornou-se famosa no Ocidente: a cópia. Mas uma cópia com “características chinesas”.

22 nov 14

Entrevista para a China Radio International

China-RadioNo dia 26 de outubro foi ao ar uma entrevista minha concedida à China Radio International (CRI). Dentre os temas abordados, eleições no Brasil e as pesquisas desenvolvidas no Centro de Estudos dos BRICS da Universidade Fudan, aqui em Xangai. A entrevista, aos 16 minutos da programação da rádio, está disponível no link: http://portuguese.cri.cn/741/2014/10/27/1s190998.htm

O site da China Radio International é uma excelente fonte de informação em língua portuguesa sobre temas relacionados à China e, ao mesmo tempo, uma fonte de informação essencial para os chineses que estão estudando o nosso idioma e querem saber mais sobre os países de língua portuguesa. Conheci alguns profissionais brasileiros e chineses que trabalham para a CRI. Todos muito profissionais e interessados em fazer deste site uma ponte essencial para a aproximação dos povos de língua portuguesa e os chineses.

11 ago 14

Caminhos para uma nova diplomacia chinesa

BRICS.Xi.CN

Compartilho artigo meu publicado no jornal Global Times em 30 de julho de 2014. Neste texto, eu quis sublinhar a importância da diplomacia chinesa adotar uma abordagem direta com os povos dos países visitados por Xi Jinping. Dos presidentes que a China teve nesta era pós-Mao Zedong, Xi Jinping parece-me ser o mais promissor para ampliar o soft power chinês no mundo. Mas o obstáculo para isto é a tradicional diplomacia chinesa que se caracteriza por ser pouco flexível a roteiros improvisados e muito orientada para o diálogo estritamente intergovernamental.

Direct approach to ordinary Brazilians will help improve China’s soft power

The sixth BRICS summit ended with concrete achievements that pave the way for the strengthening of the group.

The establishment of the BRICS’ development bank was the most significant outcome of the event. It will provide the “big five” countries with the minimum conditions to promote their development and cope with financial crises. Moreover, it is an alternative to the IMF and the World Bank to other developing countries in need of resources.

Chinese President Xi Jinping’s trip in Brazil after the summit was not a trivial matter. After all, both countries have an ongoing strategic partnership that is under the direction of the China-Brazil High-level Coordination and Cooperation Committee.

To Brazil, China is not only the second largest global economic power, but also its largest trading partner.

Nevertheless, the Brazilian media did not pay due attention to the sixth BRICS summit or the subsequent state visit of the Chinese president. Domestic political reasons partly explain this.

11 ago 14

O lado B dos BRICS – parte 2

BRICS.2014

Mais outra matéria sobre a VI Cúpula dos BRICS publicado no Brasil Econômico e que conta com meus comentários.

BRASIL ECONÔMICO: Divergências geram tensão entre os Brics (16/07/2014)

As fotos de líderes de mãos dadas não refletem os atritos que vários temas provocam entre os países do bloco, como as pretensões comerciais da China na América Latina

Apesar do clima de ótimos amigos que os mandatários dos Brics transpareceram após a cúpula de ontem, remanesceram do encontro divergências importantes das quais os participantes não poderão se esquivar por muito tempo. Não à toa, no acordo fechado em Fortaleza, o Brasil tratou de assegurar uma equidade na participação dos integrantes dos Brics no banco de desenvolvimento. Um peso maior da China poderia fazer com que o país asiático tivesse também um poder maior de decisão sobre a gestão dos investimentos da instituição. Mas o esforço brasileiro para evitar uma hegemonia chinesa não se esgota aí. A própria realização da reunião entre os Brics e países da América do Sul, agendada para hoje em Brasília, demonstra, na visão de especialistas, uma necessidade do Brasil de marcar posição em relação à China no continente.

“O Brasil tomou a iniciativa de convocar essa reunião porque os chineses querem um acordo de livre comércio com a América Latina e o governo brasileiro tem resistido a isso. O Brasil é um país com pretensões elevadas no cenário internacional, como integrar o Conselho de Segurança da ONU, e com um peso econômico muito maior do que os demais países da região. Ele teria um peso diferenciado num acordo como esse. Por isso, tomou a iniciativa de liderar o diálogo, sem correr o risco de ser ultrapassado pela China”, afirmou o especialista em relações internacionais Evandro Menezes, professor da FGV Direito Rio e professor visitante da Fudan University (China) e Senior Scholar da Shanghai University of Finance and Economics (Programa OEA-China).

Na entrevista coletiva, a presidenta Dilma Rousseff disse que não há riscos de que a China tenha uma posição hegemônica no novo banco de desenvolvimento. “No banco dos Brics, optamos por fazer uma distribuição igualitária do capital subscrito porque nenhum de nós quis se mostrar hegemônico perante os demais”, afirmou a presidenta, acrescentando que a questão igualitária das cotas previne a possibilidade de hegemonia chinesa. Dilma acrescentou que, principalmente, Brasil e Rússia também terão elevada capacidade de contribuir financeiramente com a instituição, devido ao seu alto nível de reservas. “Eu não acredito que o formato do banco dos Brics levará a um conflito do padrão das instituições de Bretton Woods”, afirmou Dilma.

10 ago 14

O lado B dos BRICS

BRICS.image

Em julho deste ano de 2014 realizou-se a VI Cúpula dos BRICS na cidade de Fortaleza – nome bastante sugestivo para o que veio a ocorrer como resultado deste encontro: a criação do Novo Banco de Desenvolvimentos dos BRICS. Pela primeira vez, os países BRICS dão um passo importante na direção de uma institucionalização deste forum político e econômico. A imprensa brasileira destacou o fato do Brasil ter cedido à Índia a primeira presidência do Banco. A este respeito, não vejo aí nenhum sentido que desmereça a atuação do Itamaraty. A presidência do Banco será rotativa. Divulgo aqui no meu blog matéria de Mariana Mainenti e Sonia Filgueiras do jornal Brasil Econômico (publicada em 16/07/2014) que conta com a minha participação.

BRASIL ECONÔMICO: Brasil cede NBD à Índia

Novo Banco de Desenvolvimento dos Brics ficará na China. O governo brasileiro presidirá o Conselho de Administração

O Brasil acabou cedendo para que o acordo de criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o banco dos Brics, pudesse ser anunciado ontem, ao final da sexta reunião de cúpula do grupo, em Fortaleza. Após negociações ao longo da terça-feira entre os cinco países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o governo brasileiro, que chegou a aspirar a primeira presidência da instituição, abriu mão do pleito em favor da Índia, que disputava a sede com a China. O Brasil cedeu a partir de um pedido dos próprios indianos, que passaram a considerar a presidência uma alternativa, já que a China mostrava forte interesse em sediar a instituição.

05 fev 14

O avanço chinês na internacionalização da educação

Post.Education.China.2

No resultado do PISA-2012 (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), divulgado no final do ano passado e aplicado a 510 mil alunos, a cidade de Xangai ocupou a primeira posição dentre os 65 países avaliados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os estudantes de Shanghai tiveram o melhor desempenho nas três dimensões avaliadas: matemática, leitura e ciências. Foram avaliados aproximadamente 6.400 estudantes de 155 escolas daqui de Xangai. De acordo com o relatório do PISA, os estudantes de Xangai reservaram uma média de 13.8 horas por semana fazendo trabalhos escolares, quase três vezes acima da média de 4.9 horas gastas pelos demais estudantes.

As 10 potências mundiais na educação são as seguintes:

Programa Internacional de Avaliação de Alunos – PISA 2012

RANKING DE LEITURA

RANKING DE MATEMÁTICA

RANKING DE CIÊNCIAS

Economias Média Economias Média Economias Média
1º – Xangai-China 570 1º – Xangai-China 613 1º – Xangai-China 580
2º – Hong Kong-China 545 2º – Cingapura 573 2º – Hong Kong-China 555
3º – Cingapura 542 3º – Hong Kong-China 561 3º – Cingapura 551
4º – Japão 538 4º – Taiwan (Taipei-China) 560 4º – Japão 547
5º – Coreia do Sul 536 5º – Coreia do Sul 554 5º – Finlândia 545
6º – Finlândia 524 6º – Macau-China 538 6º – Estônia 541
7º – Irlanda 523 7º – Japão 536 7º – Coreia do Sul 538
8º – Taiwan(Taipei-China) 523 8º – Liechtenstein 535 8º – Vietnã 528
9º – Canadá 523 9º – Suíça 531 9º – Polônia 526
10º – Polônia 518 10º – Holanda 523 10º – Canadá 525
Média da OCDE 496 Média da OCDE 494 Média OCDE 501
55º – Brasil 410 58º – Brasil 391 59º – Brasil 405

As economias asiáticas estão dominando o ranking educacional. China se faz presente com Xangai, Hong Kong, Macau e, também, Taiwan. Brasil está abaixo da média da OCDE amargando uma posição vergonhosa apesar de ser a sétima economia do mundo. Em relação ao penúltimo PISA, de 2009, o Brasil perdeu posição em todas as três dimensões avaliadas. Na Copa do Mundo da Educação, somos freguês, o Íbis da educação (com perdão da comparação com o time pernambucano que ficou mundialmente famoso como o pior time do mundo). Já Xangai manteve-se na liderança. Está na série A do ensino.

08 dez 13

Jango na China de ontem e no Brasil de hoje

Jango.China

Sexta-feira passada (06/12/13), trinta e sete anos depois de sua morte, o ex-Presidente João Goulart foi enterrado com honras de Chefe de Estado no município de São Borja, no Rio Grande do Sul, local onde nasceu. Seu corpo havia sido exumado no dia 13 de novembro passado a pedido da Comissão Nacional da Verdade que investiga as causas da morte dele. Quer-se esclarecer se o ex-Presidente morreu de um ataque cardíaco (tal como oficialmente registrado) ou se teria sido assassinado pela ditadura militar na chamada Operação Condor. Este importante fato – que mereceu pouca atenção da grande mídia brasileira – fez-me relembrar um importante momento da história política de nosso país.

Agosto de 1961. João Goulart, então vice-presidente do Brasil, encontrava-se na China na primeira missão diplomática oficial de um representante brasileiro a este país. Diante das autoridades chinesas, proferiu o seguinte discurso:

24 nov 13

O sonho chinês e o mundo

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Recentemente, o Departamento Internacional do Comitê Central do Partido Comunista Chinês (PCCh) convidou seis think tanks sul-americanos para discutir a viabilidade de uma zona de livre comércio entre a China e os países latino-americanos. Integrei a delegação como representante da FGV e me coube falar das perspectivas de um acordo de livre comércio entre China e Mercosul. Foram várias reuniões e visitas técnicas que ocorreram nas cidades de Pequim, Nanning, Beihai e Shanghai. Tudo custeado pelo governo chinês. O tema da palestra de abertura dos trabalhos foi “o sonho chinês e o mundo”, proferida pelo subdiretor do escritório de investigação do Departamento Internacional do Comitê Central do PCCh, Sr. Luan Jianzhang.

A relação com a América Latina é estratégica para a China. Em 2010 os chineses investiram US$ 11 bilhões na região – 24% a mais do que os US$ 8.9 bilhões investidos em 2009. A América Latina é, hoje, o segundo maior receptor de investimentos chineses, depois do continente asiático. E o Brasil é o principal destino destes investimentos, seguido por Peru, Argentina e Chile. No âmbito do comércio exterior, as exportações da América Latina e do Caribe para a China no período de 2006 a 2010 tiveram uma taxa de crescimento anual de quase 34%, passando de US$ 22.6 bilhões para US$ 72 bilhões. A China tornou-se o terceiro mais importante parceiro comercial da América Latina, e, de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), será o seu segundo maior parceiro comercial em 2014. O sonho chinês se cruza com o sonho latino-americano (seja ele qual for) e tem o Brasil como um dos seus personagens centrais.

28 set 13

Xangai: primeira cidade-livre da China?

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O restaurante é de comida típica mexicana. Chama-se Togo Taco. Na TV localizada atrás do balcão vejo o seriado “The Big Band Theory”. Na parede próxima à mesa onde estou sentado, uma foto de Marilyn Monroe e outra do Che Guevara. Várias pessoas ao meu redor falando inglês. Não, não estou em algum país americano mas, sim, na China de Xangai. O restaurante localiza-se na charmosa Rua da Universidade (Daxue Lu), no distrito de Yangpu. Este distrito (que poderia ser equivalente ao nosso conceito de “bairro”) já acolheu muitas indústrias no passado. Hoje, é conhecido como o distrito do conhecimento e da inovação em razão da concentração de universidades – dentre as quais a Universidade Fudan e a Universidade de Xangai de Finanças e Economia – e de empresas de tecnologia tais como IBM, Oracle e EMC2. Uma área nova, moderna e com muitos estudantes e profissionais estrangeiros. Há dez anos atrás, um cenário improvável.

Xangai não é a China mas é uma parte importante dela que aponta para o que pode vir a ser este país no futuro.